Waldemar/Val d’Nho Baltas
Valdemar Lopes da Silva
Mindelo, São Vicente, 1943 – Mindelo, São Vicente, 2000
Compositor, instrumentista (violão)
Valdemar Lopes da Silva, também conhecido como Val d’Nho Baltas, aparece como compositor e instrumentista especialmente ligado a atividades no âmbito da luta pela independência de Cabo Verde. Fez parte do grupo que, na Holanda, produziu e gravou o LP Poesia cabo-verdiana – Protesto e luta, colaborando na seleção e nos arranjos, bem como tocando violão, e Música cabo-verdiana – Protesto e luta. Neste último, além de tocar, tem cinco composições da sua autoria, entre as quais a morna “Nova aurora”, em que a letra sentimental a falar de amor e reencontro mascara subtilmente o discurso político que anuncia uma nova era – “o despertar da nova aurora”. Neste disco a composição aparece na voz de Nho Balta e mais tarde será gravada também por Cesária Évora e, em versões instrumentais, por Bau, ao cavaquinho, e Agusto Cego, ao violino.
Nesse período, grava também, com o seu primo Humbertona, o LP Morna Ca So Dor (1969), ao lado de Toy d’Bibia e Frank Cavaquinho, e o LP Stora Stora, que traz ainda o brasileiro Marcelo Melo (mais tarde fundador, no Recife, do Quinteto Violado), com temas brasileiros e cabo-verdianos. O LP tem na capa um trecho do poema “Os flagelados do vento leste”, de Ovídio Martins, o que, somando-se à fotografia dos dois músicos cabo-verdianos na altura já conotados com o PAIGC, é motivo para que a PIDE, polícia política portuguesa da época, proíba a entrada em Cabo Verde da capa, mas não do disco.
Mas cerca de uma década antes disso, em Portugal, o músico gravara, a acompanhar o cantor Paz Monteiro, o EP Mornas, para o qual reivindica o papel de ser o primeiro disco genuinamente cabo-verdiano, pois até então os arranjos e o acompanhamento eram muito colados ao fado. “Introduzimos uma coisa muito nossa que é o ‘choradinho’. Acho que isso foi o ponto de partida para a completa autenticidade da morna”, defendeu em entrevista ao jornal Notícias (01.09.1988).
Anos mais tarde, já na década de 1990, Waldemar aparece como um dos músicos do CD Promessa, gravado pela sua mãe, Teresa Lopes da Silva. O grupo Cabosamba, contou também com a sua participação, e o efémero Nova Aurora ganhou esse nome em alusão à sua composição, quando entrou no grupo, em 1975.
A contestação política iria levar a que, ainda adolescente, Waldemar fosse preso. Em 1958, durante a campanha eleitoral em que o general Humberto Delgado desafiava o regime salazarista, houve um comício no Eden Park, a favor do candidato do regime ditatorial. À saída, “no meio da confusão, dávamos vivas a Humberto Delgado e um polícia deu voz de prisão ao Valdemar”, conta Humbertona (Cabo Verde & a Música – Museu Virtual), referindo que uma multidão seguiu-o enquanto era conduzido a pé até a esquadra de polícia. A história acaba por ser divertida, porque a prisão terá durado pouco mais de uma hora: o escritor e advogado Baltasar Lopes da Silva, pai de Valdemar, foi avisado e dirigiu-se à esquadra. Ingadou a razão da prisão e o polícia respondeu-lhe: “É que ele estava a fazer comício”. “Mas o senhor sabe o que quer dizer comício?”, perguntou o escritor, que face à atrapalhação do polícia volta-se para o filho e diz: “Dá vivas a quem quiseres!”. “E o Val, que não esperava por mais, gritou ‘Viva Humberto Delgado!’. Então Baltasar pegou-o pelo braço e o levou para casa, perante os aplausos de todos nós, aglomerados à porta da esquadra”, recorda Humbertona.
Em finais dos anos 1950, Waldemar deixou Cabo Verde para iniciar os estudos universitários em Coimbra, mas para escapar ao serviço militar partiu para o Brasil, onde se formou em Letras. Depois de cinco anos entre São Paulo, Santos e o Rio de Janeiro, transferiu-se para a Bélgica, com o objetivo de frequentar o curso de ciências políticas na Universidade de Lovaina.
Na Bélgica em 1966, integrou o grupo de estudantes que constituiu o primeiro comité de apoio à luta de libertação sob a égide do PAIGC. Foi mobilizado para a guerra em 1970, partindo então para Conacri. Na escola-piloto, internato para os filhos dos combatentes, atuou como educador e animador cultural, como recorda Teresinha Araújo (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens), que ficou a dever-lhe o estímulo que recebeu para cantar e lembra que, dadas as responsabilidades dos pais no dia-a-dia da luta, em vários momentos era o professor quem estava mais próximo.
Depois da independência, Waldemar ficou a residir em São Vicente, onde lecionou francês e português no ensino secundário, tendo falecido pouco tempo depois de reformar-se.
Composições
É pa mar; Jogo bruto; Kucicrinha; Mãe; Nova aurora; Oh boy; Posse bronk; Quel país; Tropa; Unidade africana; Vassalóde.
Discografia
Stora stora, LP, MR, Roterdão, 1972. Com Humbertona e Marcelo Melo.