Tubarões, Os

Por D O em

Esq. para dir.: Duia, Zeca Couto, Jaime do Rosário, Luís Lobo e Fortinho, no baile de finalistas do liceu da Praia, em 1972. Foto cedida por Zeca Couto

Grupo, 1967 – 1994

Grupo ícone da música de Cabo Verde, Os Tubarões tiveram uma fase, embrionária ainda sem esse nome, que começa em 1967, na Praia. Alcides Barbosa (Zezé), um dos fundadores e guitarrista nesses primeiros tempos, recorda em depoimento a Cabo Verde & a Música-Museu Virtual: O grupo “nasceu de uma vontade minha de tocar com amigos e nomeadamente com o Duia, que era meu colega de equipa de futebol da Académica da Praia, onde o José Sérgio da firma Serbam era o Presidente”. Zezé (não confundir com Zezé Barbosa), apaixonado pela música dos Beatles, foi falar com o empresário para a importação de instrumentos elétricos, e, tendo este concordado e importado o equipamento do Japão, teve de assinar um documento comprometendo-se a pagar prestações num valor altíssimo para os seus modestos rendimentos como funcionário público, aos 18 anos.

“Seguindo a configuração daquilo que eu via nos discos dos Beatles mandámos vir uma bateria, três guitarras (baixo, solo e ritmo), três amplificadores e um microfone. Nesta altura o grupo já tinha a seguinte composição: Duia na bateria (porque não havia mais ninguém que se entendia com aquilo), Fortinho (filho de Pipita Bettencourt) no baixo, Mike Baptista na viola solo e eu na guitarra ritmo. O Xindo cantava e eu também. Este é o grupo dos fundadores”, recorda Zezé. “O nosso repertório tinha essencialmente música dos Beatles (eu era o único que sabia um pouco de inglês), música latino-americana (cumbias), músicas italianas (o Xindo era um incondicional do Gianni Morandi),  músicas do Roberto Carlos, mornas e coladeiras, solos de guitarra e pouco mais.”

A primeira atuação foi no liceu da Praia, e foi um sucesso, “não só pela novidade mas porque bandas com instrumentos eléctricos na Praia não havia. Nesta atuação já levávamos na bateria o logotipo dos Tubarões desenhado pelo Amaro Barbosa que era desenhador na Brigada de Estradas”, refere o antigo guitarrista.

“Em 1969 já tocávamos nos subúrbios da capital praticamente todos os sábados. Compreendi depressa, e nisso o Duia teve um papel fundamental, que para termos sucesso nos bailes e podermos pagar os instrumentos depressa, o que fizémos, precisávamos de um instrumento de sopro”, refere. Foi assim que Chala entrou para a banda, para tocar saxofone (alto e tenor) e clarinete. O jornal O Arquipélago (26.06.1969) informa que o equipamento recém-chegado ficou “exposto à admiração da população” e refere que o “conjunto musical da nova vaga recentemente criado nesta cidade” é composto por: Mike Baptista (órgão e diretor musical); Zezé Barbosa (guitarra e voz); Fortinho (baixo); Chala (clarinete e sax); Duia (bateria) e Xindo (vocalista). 

Zezé Barbosa refere o papel de Sana Pepers nesse momento, pelo incentivo para que cantasse músicas dos Beatles, e por levar-lhe as letras. Refere ainda que seu irmão Kaká Barbosa tocou e cantou com o grupo algumas vezes nessa altura e que outro irmão, Tey Barbosa, por vezes o substituía à guitarra. Com a sua saída em setembro de 1970, convocado para cumprir o serviço militar, a guitarra ritmo passa para Luís Lobo, que também cantava, além de Xindo. Zeca Couto entra nesse ano, tocando acordeão e, mais tarde, órgão elétrico. Nessa altura, a guitarrra solo estava a cargo de Loló Graça Lima. Fortinho e Duia mantinham-se da formação anterior e algum tempo depois entra Jaime do Rosário (clarinete, sax tenor, cavaquinho). Em 1973, entra Ildo Lobo, cuja voz será uma das marcas características d’Os Tubarões.

O nome do grupo surgiu, segundo Ildo Lobo, porque José Sérgio, sócio-gerente da Serbam, andava na época encantado com um livro que estava a ler, sobre tubarões, e foi quem sugeriu o nome (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). Depois de alguns anos tocando em bailes populares pelos subúrbios da capital, depois da independência, com a construção de polivalentes, estes passaram a ser também locais de atuações. Já em novembro de 1975, poucos meses depois da independência, representaram Cabo Verde no Festival Pan-Africano, na Guiné-Conacri.

Em 1976, os Tubarões gravam os seus dois primeiros LP, na Holanda: Pepe Lope e Tchon de Morgado. Nesta altura, a formação era: Duia (José Rui Brazão), bateria, percussão; Zeca Couto, órgão, piano, solina; Jaime do Rosário, guitarra, sax, clarinete; Ildo Lobo, voz, guitarra; e Russo (Mário Bettencourt), baixo e tumba.

Recém-proclamada a independência, músicas com letras de conteúdo político explícito como “Labanta braço” (Alcides Spencer Brito), “Cabral ca mori” (Daniel Rendall), “Tchon di morgado” e “Forti trabadja pa alguem” (Caló Querido) e “Strela negra” (Ildo Lobo), fazem furor, mas não se pode dizer que fossem discos panfletários. Politizados sim, perpassados por um sentido crítico que se revela na maior parte dos temas. Refira-se que Renato Cardoso tem aqui a primeira gravação de um tema seu: “Alto cutelo”. Manuel d’Novas, por sua vez, aparece desde esses dois primeiros álbuns como o principal fornecedor de composições para o grupo.

Em 1978, Os Tubarões viajam para Cuba, onde representam Cabo Verde no XI Festival Mundial da Juventude (Voz di Povo, 22.07.1978). Djonzinho Cabral, o terceiro álbum, gravado em Portugal e editado em 1979, traz novidades na formação: a entrada de Jorge Lima (percussão), Totó (Israel Silva, guitarra solo), Jaime do Rosário (clarinete, sax tenor, cavaquinho), Zé Rui (sax alto e tenor) e Zé (José Eduardo Barros, teclas), este a substituir Zeca Couto, ausente devido aos estudos, ficando o grupo com oito elementos. O repertório vai transformando em clássicos temas como “Holanda e d’holandes”, “Biografia dum crioulo”, “Oitenta melodioso”, entre outros.

Ildo Lobo, vocalista d’Os Tubarões de 1973 a 1994. Atuação no cine-teatro da Praia. Fonte: Arquivo Nacional de Cabo Verde

Tabanca (1980), gravado nos EUA, mantém a formação do anterior, mas com o regresso de Zeca Couto. É neste álbum que são gravadas pela primeira vez composições de Be (“Manu” e “Rasposta”e de Kaká Barbosa (“Nha terra aonte e aoje” e “Tabanka d’Tchada Grande”). Aparece ainda Tonecas Marta com “Neto”, homenagem ao líder da independência e presidente de Angola, e com “Distino di criola”, parceria com Antero SimasO próprio título do álbum, a evidenciar a tabanka, uma expressão cultural desvalorizada e reprimida no período colonial, revela o estado de espírito desses primeiros tempos de inspiração nacionalista. “Nova atitude na música”, assim o escritor Luís Romano comenta a obra que Os Tubarões tecem nesses primeiros anos de Cabo Verde independente (Voz di Povo, 23.02.1981).

Com mornas comoventes e koladeras trepidantes, Cabo Verde dançou e cantou a recém-conquistada independência ao som d’Os Tubarões. Inclusive no espaço recreativo-cultural que o grupo abriu na Achada Santo António e que se tornou um ex-libris da capital: Dinôs, recinto ao ar livre com capacidade para cerca de 200 pessoas que acabou marcando a toponímia daquele bairro. O nome, na verdade, é anterior à fase com Os Tubarões, como refere uma notícia no Voz di Povo, referindo a decoração com materiais naturais feita pelo artesão Luís Tolentino e o facto de a Praia já não ser, em 1981, uma cidade tão pacata quanto alguns anos antes (Voz do Povo, 28.10.1981). Anos mais tarde, o Jornal de Notícias (14.02.1989), em Portugal, aponta o Dinôs como “um dos locais de peregrinação quase obrigatória na cidade da Praia” e Os Tubarões como uma “instituição” em Cabo Verde. 

Em 1981, o grupo participa na Festa do Avante, evento anual do Partido Comunista Português, e é o seu primeiro contacto com o público daquele país, onde conquista projeção – fica várias semanas no top do programa radiofónico Rock em Stock – e onde retornará algumas vezes. Nos anos 1990, Os Tubarões serão os únicos representantes de África na gravação de Filhos da Madrugada, CD que homenageia Zeca Afonso, em que interpretam “Venham mais cinco”, um dos clássicos deste compositor que foi um símbolo da luta antissalazarista.

Tema para dois (1983) é o álbum que se segue, com temas de Manuel d’Novas, Ildo Lobo, Zeca Couto, Kaká Barbosa e Pedro Rodrigues. Nos elementos, o acréscimo de um guitarrista, Santos, que aparece unicamente neste disco. Os Tubarões tiveram nesses anos um papel importante na divulgação do trabalho de vários compositores cabo-verdianos, os quais, ainda que gravados por outros intérpretes, tiveram com a notoriedade do grupo um impulso no seu reconhecimento. É o caso, por exemplo, de “Mãe d’fidje” e “Torrão di meu”, temas de Nhelas Spencer, ou “Bida di gossi”, “Bran bran d’imigraçon” e “Li que nha tchon”, de Pedro Rodrigues, no disco de 1988, Bote, broce e linha.

 Bote, broce e linha foi o primeiro disco cabo-verdiano editado em CD, mas com versão em vinil para o mercado cabo-verdiano. “Terra bo sabe”, outro clássico de Renato Cardoso, também é deste álbum. Neste disco, a formação é a mesma do anterior, com exceção da substituição do baterista Duia, que esteve nos cinco álbuns anteriores, por Victor Bettencourt, que gravará também o disco seguinte, ao vivo. 

O grupo assinala o seu 21º aniversário em fevereiro de 1990, com uma maratona de concertos com grupos e artistas de várias ilhas e ainda do Senegal e da Guiné-Bissau. O local é a Praia da Gamboa, onde três anos depois se institucionalizará o festival de música que desde então acontece anualmente. Mas esse início da década de 1990 é o início do fim para Os Tubarões. Durante algum tempo, Kim Alves integra o grupo a tocar sintetizador, quando Jaime do Rosário (sopros) se ausenta por razões profissionais, havendo então necessidade de reforço nos teclados. Em maio de 1991 gravam no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, o seu álbum ao vivo, editado em 1993, com a formação: Ildo Lobo (voz), Israel Silva (guitarras), Zeca Couto (teclas), Totinho (sax tenor), Russo (baixo), Victor Bettencourt (bateria). Nessa altura, já estão a trabalhar naquele que vem a ser o último álbum, Porton d’nos ilha (1994), regravado em França depois de problemas detetados nas gravações feitas inicialmente em Portugal.

Neste ano de 1994 em que aparecem gravadas em disco as primeiras composições de Orlando Pantera, três delas estão em Porton d’nos ilha, cuja ficha técnica traz nomes novos: Totinho, nos sopros e percussão (já não se encontram Jaime do Rosário nem Zé Rui), Helder (Alcides Gonçalves) na bateria e, pela primeira vez, um nome exterior a Cabo Verde: Philippe Guez, músico tunisino contratado pontualmente para colmatar na gravação a ausência de Zeca Couto. Mantêm-se Ildo, Russo, Totó e Jorge Lima.

Dificuldades em manter a coesão por responsabilidades profissionais de cada um, desorganização, falta de disciplina para ensaios, entre outros aspetos, costumam ser as razões invocadas pelos antigos membros do grupo para justificar a dissolução. Mas na altura observadores viram motivos nas mudanças ocorridas na política cabo-verdiana no início da década de 1990, já que alguns dos elementos simpatizavam com o novo partido então surgido (após 15 anos de partido único), o MpD, isso num grupo que chegou a ser apontado como “instituição” ou representativo do regime anterior. Um convite para participar na campanha eleitoral do PAICV nas primeiras eleições multipartidárias chegou a ser feito ao grupo, e recusado.

Para Zeca Couto, o que aconteceu foi que a música se tornou secundária para alguns dos membros, devido a compromissos profissionais assumidos (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). Depois de anunciado oficialmente o fim do grupo em 1996, uma última notícia na imprensa cabo-verdiana fala, em 1998, num possível regresso (A Semana, 27.03.1998), que não aconteceu. Nessa altura, está a ser lançado Nôs morna, primeiro álbum a solo de Ildo Lobo. Em 2015, um novo Os Tubarões surge com atuações em Portugal e nos EUA, tendo como vocalista Albertino e como baterista Jorge Pimpa.

Discografia

  • Pépé Lopi, LP, e/a, Praia, 1976.
  • Tchon di morgado, LP, e/a, Praia, 1978.
  • Coladeira (coletânea), LP, Valentim de Carvalho, Lisboa, 1979.
  • Djonsinho Cabral, LP, e/a, Praia, 1979.
  • Tabanca, LP, e/a, Praia, 1980.
  • Tema para dois, LP, e/a, Praia, 1983.
  • Bote, broce e linha, LP, EMI-Valentim de Carvalho, Lisboa, 1990.
  • Os Tubarões ao vivo, CD, EMI-Valentim de Carvalho, Lisboa, 1993.
  • Porton d’nos ilha, CD, Lusafrica, Paris, 1994.
  • Best of (coletânea), CD, Afrika, Lisboa, 1999.

Ouvir

Colaborou na pesquisa: Djinho Barbosa

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