Tradições de início e fim de ano na Ilha Brava

Por GN em

Por Gláucia Nogueira

Se o “Racordai”, ou “Boas Festas” é em grande medida semelhante nas diferentes ilhas, a Brava tem uma tradição muito peculiar. São as marchas de fim de ano, cantadas por grupos que na noite da passagem do ano percorrem a vila de Nova Sintra levando as “boas festas” a diferentes salas de baile.

Marchas de fim de ano

Grupo de músicos que animam a Brava no fim do ano. Fonte: Ilha Brava, a Terra, a Gente, O Mar.

Com a palavra Vuca Pinheiro, que produziu um disco para registar as marchas de fim de ano da Ilha Brava, evitando o seu esquecimento.

Na Ilha Brava, por alturas de fim-de-ano, havia diversos grupos tradicionais (como Velha Guarda, Triunfador, Mocidade, Juventude, Última Hora, etc.) que apresentavam suas composições para aquela ocasião. Curiosamente o grupo “Velha Guarda” (de meu pai) era o único que sempre apresentava novidades, ou seja, a cada um ou dois anos sempre havia uma marcha nova. Os outros grupos invariavelmente festejavam e cantavam a mesma marcha representativa do grupo.

A logística era a seguinte…

Havia quatro ou cinco salas disponíveis para as festividades de fim-de-ano (para efeitos de ilustração vamos chamar estas salas de Sala A, Sala B, etc.). Os grupos começavam a tocar numa certa sala (digamos a Sala A) e depois saíam para as ruas (ainda tocando, pois os instrumentos eram acústicos, sem nenhum apoio eletrónico que na altura não existia) até chegarem na Sala B. Continuavam a tocar na rua até o outro grupo (na Sala B) se aperceber da presença deles. Nessa altura, o grupo musical que se encontrava na Sala B saía e se dirigia para a Sala C, enquanto que o grupo proveniente da Sala A entrava para a Sala B. E assim a festividade de fim-de-ano se processava com muita camaradagem e respeito pelo outro grupo rival durante toda a noite de 31 de dezembro, prolongando-se pelo dia seguinte. É claro que haviam muitos ensaios para que tudo corresse da melhor maneira possível.

Vuca Pinheiro, depoimento para Cabo Verde & a Música – Museu Virtual, 2021.
Capa do CD Marchas de Fim-de-Ano na Ilha Brava (2012)

Os grupos mais emblemáticos, segundo Vuca Pinheiro, eram: Velha Guarda, Triunfador, Mocidade e Última Hora.

Atualmente, devido ao despovoamento contínuo da Ilha Brava (especialmente devido à emigração para os EUA) e à mesclagem da população com pessoas provenientes de outras ilhas, a tradição já não é o que era no passado, mas ainda assim alguns grupos resistem.

Por outro lado, segundo Vuca Pinheiro, nos EUA existem ainda grupos que insistem em não deixar cair no esquecimento essa tradição. O artista refere que, depois de ter lançado o CD Marchas de Fim-de-Ano da Ilha Brava dois ou três grupos que existem entre a comunidade bravense nos EUA “relembraram” de algumas delas, incrementando assim o seu repertório.

Marcha da Velha Guarda

Eis presente a Velha Guarda

Na paródia sem rival,

É o grupo da vanguarda

Sempre tido como tal.

 

Viemos dar as boas-festas,

Pular, dançar, brincar,

Afastar coisas funestas,

O novo ano sublimar.

 

Desejamos sem detença

Despedir o velho ano,

Esquecer sua presença

Por velhaco sem tutano.

Velha guarda

É nós quê Velha Guarda

Um grupo de Homes d’idade – bis

Corpo bedjo coraçan nobo

Inda é más nobo que Mocidade – bis

Podê bem Triunfador

Podê bem tê Juventude – bis

É só nós quê badjador

Ai! Quês ôto é pizador – bis

Triunfador

Boas festas, ai boas festas,

Que o ano que vai surgir

Vos leva fruir a paz

D’um belo e vasto porvir.

Viver amando e cantando

Combatendo o mal e a dor

Eis o designio sublime

Do grupo Triunfador.

Filhas da Brava risonha,

Lindas crioulas em flor,

Embalai nos vossos sonhos

A alma do Triunfador.

Abatei vossas bandeiras

Velhos grupos sem calor

Que este ano quem brilha e marca

É o gentil Triunfador.

Abrí pois as vossas portas

À mocidade garrida

Que vos traz a luz e a graça

Da primavera da vida.

Outras músicas

Um poema de fim de ano de Eugénio Tavares

Ouvir

Dia de Reis na Brava / Canta Res

Além das marchas entoadas na noite da passagem do ano, resiste ainda na Ilha Brava a tradição de se visitar as casas na noite da véspera do Dia de Reis (6 de janeiro) cantando e tocando, como se pode verificar neste exemplo do início do ano de 2022.

Colaboraram para a produção desta página: Carlos Burgo, Djick Oliveira, Vuca Pinheiro.

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