Ti Goy

Por GN em

Ti Goy / Fonte: Voz di Povo

Gregório Gonçalves

Mindelo, São Vicente, 1920 – Mindelo, São Vicente, 1991

Compositor, multi-instrumentista

Compositor, intérprete de vários instrumentos (banjo, bateria, violão…) e ativo agente cultural, Ti Goy foi uma figura popular no Mindelo, e interagiu com personagens de diferentes gerações, como revelam referências que se fazem a ele. Como criador, é um grande observador do quotidiano, e é de destacar o que diz a seu respeito Manuel d’Novas (que em sua homenagem compôs “Coração d’um poeta”): “Espontâneo, alguém lhe contava uma coisa ele logo fazia uma koladera!” (Cabo Verde & a Música – Museu Virtual). “Goy aproveitava-se da circunstância de estar a tocar para ir dando fé de tudo o que se passava à sua volta – conversas entre damas, mexericos de amor, zangas e zaragatas, ou outro tipo de acontecimento que pudesse proporcionar-lhe uma boa coladeira ao gosto do público mindelense”, escreveu Moacyr Rodrigues (A Semana, 21.06.1991) por ocasião do falecimento do compositor.

“Na taberna de Luísa Manobra tem rapaziada fixe. Lá é que ele vai desenfastiar a boca com um grogue e pegar corpo com um peixinho frito. Luísa Manobra tem rapaziada fixe. Goi é o que toca cavaquinho e Tchufe o que toca violão…”

Gabriel Mariano em Vida e Morte de João Cabafume

Ti Goy foi, nessa via, ao lado de Frank Cavaquinho, um dos representantes ou talvez o criador do estilo de koladera muito em voga nos anos 1960, caracterizado por letras irónicas e impiedosas contra o sexo feminino por qualquer deslize. Um exemplo é “Nutridinha”, a falar da gravidez precoce. São, ao mesmo tempo, letras recheadas de ambiguidades e alusões jocosas a situações eróticas ou comprometedoras, ou ainda simplesmente engraçadas ou ridículas, como no caso de Nho Antone Scaderode”, que na voz de Cesária Évora fez dançar plateias mundo afora. Pequenas crónicas de tal forma impregnadas de referências e expressões locais que, sem um razoável conhecimento da língua, fica-se aquém da real compreensão.

Destaque ainda para Sayko dayo”, adaptação de Ti Goy de uma composição brasileira (“O Sanfoneiro só tocava isso”) tocada habitualmente nas festas juninas, para a qual preparou nova letra e arranjo, para ser cantada por um grupo de Carnaval do Lombo. A letra faz alusão aos japoneses que na década de 1960 demandavam o Porto Grande nos seus barcos pesqueiros. Segundo a cantora japonesa Mio Matsuda, “Sayko dayo” quer dizer, em japonês, “ótimo, o melhor”, provavelmente a exclamação que Ti Goy ouvia dos japoneses quando estes apanhavam um bom peixe.

Ti Goy foi também autor de mornas como “Eronautas” – homenagem aos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, pelo seu histórico voo em 1922 ligando Portugal e o Brasil, com escala em São Vicente – ou Ribeira Brava”, dedicada à vila desse nome na ilha de São Nicolau.

Numa outra vertente, tinha grande atenção com as crianças, com as quais organizava peças de teatro e que reuniu à volta do grupo carnavalesco Lombiano. Por sua vez, o grupo Seis Jovens Unidos, formado por Voginha, Tito Paris e Dudu Araújo, entre outros adolescentes, era orientado por Ti Goy: “Ensinou-nos a ser unidos, daí vem o nome do grupo”, revelou Voginha.

O papel que o músico teve na vida desses futuros personagens da música cabo-verdiana fica demonstrado nas palavras de Tito Paris: “Ti Goy foi muito importante para a minha vida musical, mesmo em casa, pois estava sempre lá, eu o tratava como um pai. Tinha sempre bons conselhos, tocava bem, ensinava-nos a saber nos defender no palco. E também sabia muitas coisas de teatro, eu próprio fiz teatro com ele. Foi uma pessoa muito importante para muita gente da minha idade, por quem temos grande respeito.”

Ti Goy, s.d. Foto cedida por Djibla

Considerando Ti Goy “a pessoa mais marcante” no seu percurso, Tito recorda-o como uma pessoa alegre, que nunca se deixava abusar. “Ele tinha uma deficiência, era corcunda, mas quando as pessoas tentavam gozar com ele, ficavam gozadas. Tinha uma forte moral; aprendi muito com ele”.

Como alguns contemporâneos seus, Ti Goy sai da vida real para ser personagem de ficção, ficando imortalizado no conto “Caduca”, de Gabriel Mariano (no livro Vida e Morte de João Cabafume): “Na taberna de Luísa Manobra tem rapaziada fixe. Lá é que ele vai desenfastiar a boca com um grogue e pegar corpo com um peixinho frito. Luísa Manobra tem rapaziada fixe. Goi é o que toca cavaquinho e Tchufe o que toca violão…”.

Quanto a gravações, não há muitas referências sobre a participação de Ti Goy. Mas comparece a tocar caixa na cassete que o grupo Os Alegres lançou em 1975. A dada altura, fez parte do Benitómica.

Composições

Amor de Fantasia; Caboverdeanos n’ Angola; Cais costável; Canetada; Capadêra; Cinturão tem Mele (Dansa Tcha Tcha Tcha); Dispidida; Dudu; Eronautas; Falsia; Falta di Força; Ingrata; Lombianinha; Mari Giralda; Matchona; Mi Na Meio di Mar; Nho Antone Escaderode; Nutridinha; Onda Skabra Baixinho; Pê di Boi; Pe Fincode; Perna Torte; Pic Nic na Salamansa; Picapada qu’porta fitchode; Rabolice na ilha de Madeira; Rabonhe; Rabulice; Ribeira Brava; Rusga; Salamansa; Sardinha de Ribeira Bote; Sayko; Sploradera; Teresinha; Toyota; Tra c´Anariz; Vaquinha Mansa; Vedeta; Vida di Povo.

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