São João na Ilha Brava
Por Gláucia Nogueira
São João Baptista é o padroeiro da ilha Brava e a sua festa, no dia 24 de junho, é a maior que se realiza ao longo do ano nesta ilha.
Na obra Ilha Brava – A Terra, a Gente, o Mar, da autoria de Benvindo Leitão, temos uma descrição desta tradição, que em grande parte se assemelha aos festejos da ilha do Fogo, a começar pelo ritual do Pilon, que dá início às atividades, e ocorre na antevéspera do dia do santo, com a preparação do milho que será consumido, o xerém de festa.
“Mulheres e homens munidos dos seus pou de pilom num ritmo veloz e ao som de cantigas e de tambores dão início à quebra do milho que, previamente, se colocou no pilão”, cerimónia que se estende ao longo da noite, enquanto são servidos vinho, aguardente, canja e doces, lê-se na obra de Leitão.
“Dia de São João!
Pelo meio dia o nevoeiro envolve a ilha. Repicam os sinos chamando à missa. Tem-se a impressão de ver passar a revoada dos repiques rente com as roseiras floridas, dentro da névoa, quase que visível. O cavaleiro leva na lança o pendão do Baptista, e ao som das cantigas e tambores, segue à igreja (…)”
Eugénio Tavares, em O Missionário Católico, 1930.
Na véspera do dia de São João o estandarte (bandeira) que o simboliza é levado da casa do festeiro, ou mordomo (a pessoa que financia a festa naquele ano), até a igreja matriz, por um cavaleiro que segue pelas ruas ao som das cantigas e palmas das coladeiras e do rufar dos tambores.
Seguindo o relato de Ilha Brava – A Terra, a Gente, o Mar, ficamos a saber que, na igreja, é cantada a Véspera, um conjunto de hinos religiosos, e há a leitura de uma passagem da Bíblia, a que se segue uma homilia. A seguir, o cavaleiro regressa à casa do festeiro levando a bandeira com a imagem de São João.
Antigamente, prossegue o texto, ao longo desse trajeto viam-se pelas encostas da ilha fogueiras acesas, que era costume as pessoas saltarem, ou mesmo andarem sobre elas, pisando as brasas, enquanto invocavam a proteção divina ou faziam promessas. “Salva na mar, saúde na terra”, era o refrão repetido pelos devotos. Estas atividades à volta da fogueira, tal como a tradição de as pessoas deitarem sortes para descobrir com quem vão se casar ou outras adivinhações, são elementos das festas juninas que se verificam de modo geral nos espaços da colonização portuguesa. Na Brava, nessa noite da véspera do dia do santo, segundo Leitão, realizavam-se bailes em várias casas da vila de Nova Sintra.
Chegado o dia da festa, logo pela manhã, pessoas de todas as idades carregando bandejas com frutas, pães e outros alimentos partem da casa do festeiro em direção a Cutelo Grande, onde irão “vestir” o mastro (um grande poste de cimento), revestindo-o com paus e decorando-o com plantas e os alimentos levados até lá. Antigamente, esclarece a obra de Benvindo Leitão, “somente as moças podiam transportar as bandejas para vestir o mastro. Hoje em dia, qualquer pessoa pode fazê-lo”. E prossegue: “Acompanham o cortejo o cavaleiro munido do estandarte do Santo Padroeiro e o cavalo debaixo do rufar dos tambores com as coladeiras a animar a festa.”.
“Depois de terem vestido o mastro, a bandeira é levada pelo cavaleiro, cujo cavalo, dançando ao som do tambor e das palmas das coladeiras, faz todo o percurso do local do mastro até a Igreja Matriz. Chegados à Igreja segue-se a Procissão do Santo pelas ruas da cidade.”
Benvindo Leitão, em Ilha Brava, a Terra, a Gente, o Mar
Depois da procissão é celebrada a missa na igreja matriz, e em seguida o cavaleiro leva a bandeira de São João de volta à casa do festeiro, onde tem lugar um almoço no qual são servidos cachupa e o xerém de festa, preparados com o milho que foi triturado (cutchido) dois dias antes. É uma festa dispendiosa para o seu organizador, comenta Leitão no seu livro, porque além das comidas e bebidas há outras despesas, como os foguetes e, nos tempos atuais, a contratação de grupos musicais para atuar nesses dias.
E no fim do dia de São João, os devotos dirigem-se outra vez ao Cutelo Grande, sempre ao som de tambores e cantos, para “assaltar” o mastro e apanhar os produtos pendurados nele. Mas só depois de a bandeira e o festeiro estarem presentes. A seguir ao “assalto”, aguarda-se algum tempo para ver se algum dos presentes se manifesta com a intenção de ser o próximo festeiro (tomâ bandera). Se ninguém se comprometer, a Câmara Municipal toma a responsabilidade de festejar o santo no ano seguinte.
No passado, refere o autor que vimos citando, época das constantes viagens de navio entre a Brava e os Estados Unidos, muitas vezes enfrentando situações adversas, as pessoas faziam promessas a São João. Prometiam erguer um mastro em sua casa e oferecer às crianças canja d’anjo, se o seu familiar chegasse são e salvo ao destino. E nas famílias em que havia alguém com o nome João também se costumava erguer um mastro no quintal da casa.
Para saber mais
Ilha Brava – A Terra, a Gente, o Mar, obra da autoria de Benvindo Leitão.
Balai – A tradição do mastro
Ver e ouvir
Referências:
Leitão, Benvindo. Ilha Brava – A Terra, a Gente, o Mar. East Providence, Edições Nova Atlântida, 2014.
Tavares, Eugénio. “Dia de São João”, O Missionário Católico, 1930.
Voz di Povo, 12.07.1983