Polca, galope, reel, schottisch

Por GN em

Por Gláucia Nogueira

Alem da valsa e da mazurca, os mais difundidos até hoje, galope, polca, reel e schottische são termos que designam expressões musicais de origem europeia que estiveram presentes no conjunto de práticas musicais em Cabo Verde, no passado. Têm na atualidade uma reduzida expressão e são praticamente desconhecidas pelas gerações mais recentes. Mas está bem documentada em textos diversos a penetração destas músicas e danças no arquipélago a partir de meados do século XIX.

Joaquim Vieira Botelho da Costa, administrador do concelho de São Vicente entre 1872 e 1893, escreveu no seu relatório “A Ilha de S. Vicente de Cabo Verde: Comunicação à Sociedade de Geographia de Lisboa (1882)” que os bailes ou danças “propriamente da terra, acompanhadas com cantigas e palmas, passaram de moda, substituídas por contradanças francesas, com muitas e complicadas marcas, valsas, mazurcas, polcas e schottisches”.

Até por volta da década de 1940 essas músicas e danças faziam parte das formas de entretenimento no arquipélago. Com o passar do tempo, foram ficando fora de moda, ao mesmo tempo que iam sendo recriadas com sonoridades já cabo-verdianizadas e em alguns casos com novas denominações. Algumas delas mantiveram-se como prática regional.

Num artigo publicado na revista Mujer (abril de 1982), Dulce Almada Duarte, então diretora geral da Cultura, comenta sobre um evento que assinalava o Dia da Mulher, na Praia: “Tivemos ocasião de assistir a um espetáculo cultural, em que grupos musicais de várias ilhas nos deram uma amostra muito interessante do que foram essas danças do tempo das nossas mães e avós.”

Polca

A polca foi uma das danças de salão mais populares no século XIX, a ponto de destronar a valsa na preferência do público. Difundiu-se pelo mundo, numa verdadeira “polcamania”, como textos da época revelam.

Foram gravadas polcas nos EUA pelos grupos cabo-verdianos pioneiros na gravação de discos: o Abrew’s Portuguese Instrumental Trio, a Orchestra de Notias e os grupos liderados por Johnny Perry (com as denominações Johnny Perry’s Portuguese Criolo Trio, Johnny Perry’s Instrumental Trio e Johnny Perry’s Capeverdean Serenaders). Esses discos de gramofone, editados pela Columbia entre 1929 e 1933, chegaram a Cabo Verde, como evidenciado pela publicidade na imprensa da época. Incluíam também valsas, mazurcas e mornas.

Com o passar do tempo as referências à polca passam a ser escassas, podendo-se supor que a partir da década de 1940 ela já se encontrasse num processo de obscurecimento. Em tempos mais recentes, encontram-se polcas gravadas pelos violinistas Djedjinho, Djicai, Ivo Pires e Travadinha.

Galope   

O galope era uma dança rápida e animada, a dois tempos, que também fez muito sucesso nos salões europeus no século XIX. É, como a valsa, originário da Alemanha e o seu nome deriva do movimento de galope do cavalo (galopp). O seu passo é muito simples: o par junta-se de frente para a linha de dança que percorrerá e segue rapidamente a saltitar pelo salão. Em França, foi por algum tempo a parte final da quadrilha, e aparecia também nos espetáculos de cancan nos cabarés. Por ser muito animado, era o ideal para o encerramento vibrante de um baile e, quando introduzido em espetáculos de balé, era também apropriado para o final.

Também em Cabo Verde era a música que encerrava a quadrilha, segundo uma recolha de dados sobre o tema realizada por Leão Lopes em Santo Antão, nos anos 1980, junto a antigos praticantes.[1] 

O termo galope é hoje em dia raramente utilizado e designa alguma morna um pouco mais rápida que o habitual para este género. Por vezes fala-se em “morna galopada” ou “morna galope”. É caso de “Flor formosa” (Jack do Carmo); “É assim qu’el ta fazedo” (Eugénio Tavares); “Rabilona” (autor desconhecido, ilha da Boa Vista); “Saiona d’vinte one” (Luís Rendall); “Ribêra d’Paúl” e “Flôr di roseira” (B.Léza); “Sodade de São Nicolau” (Armando Zeferino); “Fusquinha” (Nhavão); e “Desaforo” (Djedjinho)”[2]. Todas elas terão sido compostas em meados do século XX, algumas antes, outras no início do período de obscurecimento das músicas de origem europeia.    

Segundo o investigador da música cabo-verdiana Desiré Bonnaffoux, a koladera é o galope que ressurge “com um desenho musical mais trabalhado, depois de um período de esquecimento”. Mas mesmo antes disso, a composição de galopes “foi sempre muito fraca, pelo menos na primeira metade do século XX”, refere este autor, na obra intitulada Música Antiga de Cabo Verde.

Bonnaffoux indica ainda que o “Manchê” é o mais antigo galope conhecido. Relativamente à Boa Vista, onde viveu, escreve que os tocadores de rabeca tinham todos basicamente o mesmo repertório, composto basicamente por mornas e galopes, mas interpretavam também maxixes, valsas, lunduns, contradanças e mazurcas.

Moacyr Rodrigues, por sua vez, considera a composição “Nha Codé” (de Pedro Cardoso) como um galope, indo na mesma linha de Bonnaffoux ao afirmar que ele é um “parente próximo da coladeira pelo andamento”. Rodrigues aponta também como galope “Nho Antone”, da autoria de B.Léza. Somadas às duas referidas atrás, B.Léza, uma grande referência na morna, seria autor de pelo menos três composições no ritmo do galope ou próximas dele.

Situando o surgimento da koladera entre a década de 1930 e 1950, tal período coincide, efetivamente, com o obscurecimento das antigas músicas europeias face a novas modas musicais, daí poder-se pensar no ressurgimento do galope, já “cabo-verdianizado” e com outro nome. 

Reel

Esta expressão musical faz parte do grupo de músicas e danças europeias que se difundiram pelo mundo a partir do século XIX. Aparece raramente em textos ou entrevistas sobre as práticas musicais em Cabo Verde, mas ainda assim alguns músicos antigos a mencionam. É o caso de Olímpio Estrela (1922-2005), natural da ilha da Boa Vista, que afirmou em entrevista ao Novo Jornal Cabo Verde: “[…] Nessas festas tocava-se a morna, a coladeira (maxixe como lhe chamavam), a valsa, a polca e o ril[3]  (estilo de música e dança já extinto)” (Novo Jornal Cabo Verde, 07.11.1993). O músico refere ainda que por vezes tocava a bordo de navios ingleses que faziam escala na ilha, o que permite supor o seu contacto com estilos musicais estrangeiros.

Schottische/Schottisch

Schottische é como se diz “escocesa” em alemão (no masculino, schottisch). A dança tem volteios como a polca, mas andamento mais lento. Foi uma das músicas/danças em voga no século XIX e na sua difusão pelo mundo vamos encontrar os termos chotis ou chotisse em Portugal, e, no Brasil, a versão local desta música/dança acabará consagrada com a denominação xote, uma das expressões musicais tradicionais do Nordeste brasileiro.

Esta música e respetiva dança não deixaram de estar presentes em Cabo Verde, como se pode constatar pelo trecho citado de Joaquim Vieira Botelho da Costa, que escreveu que, na década de 80 do século XIX, as danças locais haviam passado de moda, e tinham sido substituídas pelas contradanças francesas e por “valsas, mazurcas, polcas e schottischs”.

O schottisch aparece também na imprensa cabo-verdiana, no início e meados do século XX, quando são publicados os repertórios das bandas municipais. Por exemplo, sob o título “Música nas praças”, a programação da Banda Municipal da Praia para o mês de maio de 1913, publicada no jornal O Futuro de Cabo Verde, revela que a banda tocava valsas, paso dobles, mazurcas, tangos, zarzuelas, polcas e schottischs, além de marchas, boleros e trechos de peças sinfónicas.

Várias pessoas idosas da ilha do Fogo entrevistadas (como Nho Djonzinho Montrond e Nho Raul de Ribeira da Barca, entre outros) referem o schottisch entre as suas recordações sobre músicas dos tempos antigos.

Para saber mais

Músicas e Danças Europeias do Século XIX em Cabo Verde: Percurso de uma Apropriação – Tese de doutoramento de Gláucia Nogueira (2020).

[1] Comunicação pessoal à autora.

[2] Lista fornecida por Francisco V. Sequeira, responsável pelo arquivo sonoro da RCV no Mindelo, a quem agradeço esta e outras colaborações.

[3] Ril, do inglês reel.

Referências:

“Música nas praças”, O Futuro de Cabo Verde, 22.05.1913.

Bonnaffoux, Desiré. Música Antiga de Cabo Verde (inédito), 1978 (cópia datilografada).

Castro, Carlos. “Nha Nonhe: ‘A música será sempre a minha melhor companhia’”. Novo Jornal Cabo Verde, 07.11.1993.

Costa, Joaquim Vieira Botelho da. “A Ilha de S. Vicente de Cabo Verde: Comunicação à Sociedade de Geographia de Lisboa” (1882). Raízes, dezembro 1980, n. 7.

Duarte, Dulce Almada (1982, abril). Danças e contradanças. Mujer, n.2

Rodrigues, Moacyr. “Cap Vert: Anthologie 1959-1992 – uma abordagem”. A Semana,24.12.1994.

Francisco V. Sequeira, comunicação pessoal.

Leão Lopes, comunicação pessoal.

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