Paulino Vieira

Por GN em

Paulino Vieira. Roma, 1987. Foto: Marzio Marzot

Paulino de Jesus Santos Vieira

Praia Branca, São Nicolau, 1956

Multiinstrumentista, compositor, cantor, produtor

Reverenciado por músicos pela sua genialidade, aclamado pelo público pelo sucesso marcante das suas composições, Paulino Vieira é um ícone da música cabo-verdiana do seu tempo, na qual deixa uma marca profunda, como compositor, produtor, arranjador, instrumentista. Multifacetado no estúdio, entertainer no palco, o seu percurso é variado e a personagem controversa. Por volta dos 6 anos, na localidade de Praia Branca, São Nicolau, onde nasceu, aprendeu as primeiras notas com o pai, Santos Vieira, e algum tempo depois construiu um brinquedo que foi seu primeiro instrumento. Mas os instrumentos de verdade abundavam na casa, e as crianças tinham acesso a eles. Com a morte do pai, em 1966 Paulino e o irmão, Toy Vieira, passam a viver no Mindelo, onde estudam no seminário dos salesianos, tendo como mestre o Padre Simões, muitas vezes referido por músicos que se formaram nessa época. Outro mestre que Paulino indica como importante na sua formação é um professor de nome Rodolfo (Artiletra, Outubro 1996).

Inicialmente, o jovem aprende solfejo e clarinete, e logo passa para outros instrumentos, como flauta e órgão, até chegar ao piano, como revela numa entrevista ao Voz di Povo, 20.01.1990). Participa em grupos de miúdos no âmbito da escola e em 1970 vem a ser um dos fundadores do Kings, grupo que deixa em 1974, quando parte para Portugal a convite de Luís Morais, que com Bana criava na altura um novo Voz de Cabo Verde.

Nesta nova versão do Voz de Cabo Verde, Paulino assume os arranjos e os teclados – mas ao longo do tempo irá tocar diferentes instrumentos, já que domina todos. Nessa altura, integram o grupo: Armando Tito (guitarra solo), John (guitarra ritmo), Bebeth (baixo) e Cabanga (bateria). Paulino permanecerá até o fim  do grupo, em 1982.

Encontrarei o amor (1974) – disco eclético com repertório que vai de Luís Morais a James Brown, passando por Roberto Carlos e várias cumbias – é o primeiro LP deste Voz de Cabo Verde lisboeta e Paulino aparece como cantor, compositor e intérprete (o título do álbum é o de um tema da sua autoria, com letra em português), tal como no LP Mascrinha, com data do mesmo ano, álbum na linha do pop da altura, em que interpreta temas dançantes e músicas românticas latino-americanas e brasileiras. Dois temas deste disco serão compilados num single com o título Bana e Paulino.

Paulino Vieira, Toy Vieira e Tito Paris. Foto: Fecebook/Toy Vieira

De finais dos anos 1970 até o início da década de 1990, muitos intérpretes que querem gravar e procuram um produtor, arranjador, músicos, enfim toda a estrutura de gravação musical com a qual alguns deles não estão familiarizados, encontram em Paulino Vieira apoio para a concretização dos seus projetos. Entre eles, vários radicados nos EUA e outras comunidades da diáspora cabo-verdiana, que se deslocam a Lisboa especialmente para esse fim.

Pode-se notar, pelas fichas técnicas nas capas de pelo menos meia centena de discos, que existe nesse período um núcleo duro da música cabo-verdiana em Lisboa em que Paulino ocupa posição central, aglutinando-se à sua volta músicos como Bebeth, Cabanga, Armando Tito e Leonel, nos primeiros anos, aparecendo um pouco mais tarde os nomes de Zé António, Tito Paris, Toy Vieira e Toy Paris. Vários álbuns de Bana e Luís Morais têm também este núcleo como base instrumental e Paulino como arranjador, com ou sem o nome Voz de Cabo Verde.

Outros exemplos de álbuns desse período feitos sob a sua coordenação são os dois primeiros LP de Teté Alhinho e Nka por si, de Zeca e Zezé di Nha Reinalda. Refira-se ainda o LP Peace, Love and Unity, em que, como produtor, Paulino Vieira reuniu dezenas de vozes entre a comunidade cabo-verdiana nos EUA, além de artistas consagrados como Ildo Lobo, Zeca de Nha Reinalda e muitos outros. Gravado parte nos EUA e parte em Portugal, o LP foi lançado em 1990 pela associação Help CV.

O próprio Paulino perdeu a conta de quantos discos produziu, arranjou e gravou, como revela na altura do lançamento do seu álbum Nha Primeiro Lar. Muitas vezes, por pura solidariedade, apesar de, desde muito jovem, ter a música como profissão. “Reconheço que sempre vivi com dificuldades financeiras porque trabalhei quase sempre com pessoas que não tinham hipótese de pagar. E eu não posso receber a alguém que não tem condições para pagar e, da mesma forma, não posso deixar de ajudá-lo por isso. Sem ou com dinheiro” (Novo Jornal Cabo Verde, 17.07.1996). Esse desprendimento e um profundo sentido de fraternidade universal são manifestados pelo músico em várias declarações, como por exemplo: “Eu só quero ser uma boa pessoa perante a humanidade. Eu só utilizo a música para chegar às pessoas. A música é como se fosse a minha enxada de trabalho. Eu quero ser um cabo-verdiano que consegue falar tanto para os cabo-verdianos como para o mundo inteiro, que consiga transmitir uma certa mensagem de paz e união”, declara numa entrevista a Vuca Pinheiro (Farol, junho 1990). 

“Eu só quero ser uma boa pessoa perante a humanidade.

Eu só utilizo a música para chegar às pessoas.

A música é como se fosse a minha enxada de trabalho.”

Paulino Vieira, ao jornal Farol, junho de 1990

A partir do início dos anos 1990, nota-se o fim desse período de abundante colaboração do músico nas gravações realizadas em Lisboa, já que Paulino começa a trabalhar com Cesária Évora. Depois de uma participação (piano e harmónica) em Mar Azul, entre outros músicos convidados, estará em Miss perfumado, álbum que consagra internacionalmente a cantora. Gravado em junho de 1992, tem como músicos praticamente apenas os dois irmãos Vieira, que se alternam nos vários instrumentos de corda e no piano e com Paulino na produção musical. Somam-se as participações pontuais de Malaquias Costa (violino em alguns temas) e Escabech (reco-reco). A tournée que se segue ao lançamento do disco dura cerca de dois anos e tem na banda, além dos dois irmãos, Armando Tito eVaiss, e outros músicos em determinados concertos, como Luís Morais e Bau no CD gravado ao vivo no Olympia, em Paris, em 1993. O álbum Cesária (1995), também sob a direção de Paulino, mantém o grupo da tournée como base, com participações pontuais de outros músicos. Durante os concertos, Paulino, além de tocar, aparece como uma espécie de “elo de ligação” entre Cesária, cujo feitio nunca foi de grandes expansões, e o público, para “fazer com que ela se desenvolva e mostre o que é” (Novo Jornal Cabo Verde, 06.11.1993). “Uma questão de orientar o estado de espírito de Cesária e tirar o máximo partido disso”, referia o artista na altura. E enquanto Cize fazia a sua pausa para descansar alguns minutos a fumar e a bebericar (nessa época ainda havia uma garrafa de conhaque sobre a mesa, no palco), Paulino solava o piano, brincava, animando a plateia, papel que, com o seu afastamento, ficou a cargo de Totinho.

Possivelmente nessa sua intervenção terá estado a origem dos conflitos que a partir de 1996 surgiram entre Paulino Vieira e o empresário Djô da Silva, levando a que o músico se afastasse da carreira de Cize. Segundo Silva, Paulino assumia um excessivo protagonismo (Público, 12.02.1997). Numa entrevista à RDP África (29.06.1997), Paulino conta: “Quando me convidaram, fui para abrilhantar e pôr Cesária a funcionar (há quatro, cinco anos ela não estava funcionando (…) Quando começou o sucesso, quis que nós moderássemos, inverter a situação, ditar regras (…) Não colaboro com o que não tem a ver com a minha sensibilidade”.

É por essa mesma altura que Paulino Vieira despoleta o caso de “Sodade”(sucesso na voz de Cesária no disco Miss perfumado), questionando a autoria da composição e afirmando ser de Armando Zeferino, comerciante da aldeia de Praia Branca (Público, 08.01.1997; A Semana, 10.05.2002). O caso vai parar ao tribunal. Paulino, entretanto, que várias vezes se manifestou na imprensa cabo-verdiana contra a Lusafrica e o empresário Djô da Silva, acaba por voltar-se contra o próprio Zeferino, que anteriormente pretendera ajudar com a sua denúncia (A Semana, 20.08.2010 e 10.09.2010).

Paulino Vieira. Fonte: Rádio Campanário

No que diz respeito aos seus discos a solo, Paulino Vieira estreia com um single gravado em 1978, São Silvestre, em que toca todos os instrumentos, o que provoca um comentário no Voz di Povo (21.03.1979), pois terá sido provavelmente primeira vez que isso se verifica num disco de artista cabo-verdiano. Os álbuns seguintes serão também gravados unicamente por Paulino, que apenas pontualmente conta com colaboradores.

Em 1984, é a vez de M’cria Ser Poeta, LP do qual algumas composições – “M’cria ser poeta” e “Prêce di um fidjo (Alo Cabo Verde)”, por exemplo – serão insistentemente gravadas por diferentes intérpretes ao longo dos anos, tornando-se verdadeiros clássicos.Em 1996, sai Nha Primeiro Lar, projeto em que o artista homenageia o seu pai e no qual trabalhou durante vários anos. No mesmo ano, sai pela Lusafrica o single Boas Festas, cuja distribuição não agrada o músico, o que porventura acirra o seu desentendimento com a Lusafrica (Público, 08.01.1997).

A partir de 2003, mantendo sempre uma atitude crítica face às editoras discográficas, Paulino Vieira passa a editar por conta própria os seus discos e os distribui de forma alternativa. O primeiro dessa série, Paulino Vieira na sua Aprendizagem vol. I – Guitarra clássica, é o seu primeiro álbum totalmente instrumental, como serão os seguintes, e traz uma sequência de 25 temas interpretados à guitarra de 12 cordas. Paulino anuncia outros volumes no que parece ser uma série, abrangendo outros instrumentos. Seguem-se um single em homenagem ao Mestre Baptista, construtor de instrumentos, e Recordança, ambos em 2007, e três anos depois Paulino Vieira.

Discografia

  • Bana e Paulino, single, VCV, Lisboa, 1975. A partir de temas do LP Mascrinha do Voz de Cabo Verde.
  • Bana e Paulino Vieira, LP, VCV, Lisboa, 1975.
  • São Silvestre, EP, DMC, Lisboa, 1978.
  • M’cria ser poeta, LP, DMC, Lisboa, 1984. Em CD, Sons d’África, 1996.
  • Nha primeiro lar, CD, Lusafrica, Paris, 1996.
  • Boas festas, CD single, Lusafrica, Paris, 1996.
  • Paulino Vieira na sua aprendizagem vol. I – Guitarra clássica, CD, edição do artista, Lisboa, 2003.
  • Então, mestre, CD single, edição do artista, Lisboa, 2007.
  • Recordança, CD, edição do artista, Lisboa, 2007.
  • Paulino Vieira, CD, edição do artista, Lisboa, 2010.
  • Participação no LP Reencontro, 1982. Com Bebeth, Zé António, Luís Morais, Leonel, Morgadinho, Djosinha, Bana e Chico Serra.
  • Participação no LP Un grandi encontro, 1984. Com Frank de Pina e Dany Carvalho.
  • Participação no álbum Cabo Verde poema tropical, 1985, de Quirino do Canto, a interpretar “Anjo negra” e “Cabo Verde poema tropical”.
  • Participação como produtor e instrumentista no LP Peace, Love and Unity, 1990.
  • Participação no álbum de Djinho Barbosa Trás di Son, 2006, nos temas “Dexam cai” e “Bu Enkantu”.

Composições

Anjo Luminoso; Arca Azul; Cinderela; Criolo é Sabe; Desuspero; Dia Já Manxê; Encontrarei o amor; Felicidade Já Tchgâ na Mim; Goenta Canela; Grande Fôque; Love, Peace and Unity; M´Cria Ser Poeta; Maria Ô; Melodia d´Esperança; Natal (Meu Irmãozinho Bebé); Naufrágio; Nha Primeiro Lar; Nostalgia; Odie Ê Pobreza; Olim tâ Bai Cheio di Sodade; Pâ independência; Panha Calode; Percussão; Praga de Burro; Prêce di um Fidjo (Alo Cabo Verde, Hello CV); Puntim+Puntim; Quant na Um; Seus Pais Não São os Meus; Sol di Manhã; Solidão; Sou atrevido; Tchadinha; Trabaia pa nos Terra; Um Minute d´Silence; Um Sonho Cordode.

Ver e ouvir

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