Manuel Florinda/Mané Rasuedje
Simão Gomes Ramos
Fundo das Figueiras, Boa Vista, 1919 – Boa Vista, 1993
Compositor
“Avezinha de rapina” é a morna mais conhecida deste compositor da Boa Vista, que Kiki Lima conheceu em criança e procurou divulgar, no início dos anos 1980, levando-o a participar da Semana de Arte Integrada, na Galeria Nho Djunga, em 1981, e gravando temas seus na cassete Sarapilheira e no LP Midji ma tambor. Sobre ele, Kiki Lima escreveu: “(…) humilde, atravessa algumas dificuldades financeiras, pouco literato, mas possuidor de faculdades que nem todos possuem. Efetivamente, sensibilidade artística, educação e modéstia não lhe faltam” (Voz di Povo, 31.12.1982). Nessa época, Manuel Florinda tinha 63 anos e vivia em São Vicente, para onde se transferira em 1961, para trabalhar como estivador. Durante os 18 anos que aí esteve sem regressar à sua ilha, não compôs, mas foi só voltar à Boa Vista em visita para recomeçar: ainda no barco em que viajou, compôs “Plamanhãzinha”. Ao deixá-la criou a sua última morna, Sanjanense, um lamento de quem não tem outro remédio senão partir.
Ainda segundo Kiki Lima, o compositor começou a aprender a tocar viola de dez cordas aos 16 anos, com companheiros mais velhos, que quando viram como o rapaz se saía bem incentivaram-no, com a intenção de, quando tocassem em bailes, terem um músico a mais, para poderem descansar ou ir dançar de vez em quando. A sua primeira composição terá sido “Rua direita”, que logo se popularizou, estimulando-o a continuar. “De certo modo receado pelas raparigas por causa das críticas que fazia nas suas composições e a ironia que lhes imprimia, cedo se tornou muito conhecido”, escreve Lima.
“Não sabemos porque Manuel, mas Florinda ganhou-o da senhora que o ‘criou’. Entre amigos mais chegados é conhecido por ‘Manuel Rasuedje’ de que um amigo pirracento o alcunhou por a cor dos seus olhos se assemelharem à cor cinzenta de uma determinada raça de cabras”, esclarece Kiki Lima naquele texto. Aliás, por falar em cabras, como conta o autor deste trecho, Manuel Florinda foi pastor na sua juventude, como tantos outros da sua época, e também terá trabalhado na apanha de pedras para a produção de cal.
Por ocasião do centenário do compositor, Eutrópio Lima da Cruz dediciu concretizar um projeto antigo de traçar o seu percurso de vida e música. Produziu então uma obra com dados biografos, as suas letras e partituras. “Sempre me pareceu que era um pouco injusto que esse compositor ficasse no anonimato apenas porque ele não tem um estatuto de um B.Léza, de um Eugénio Tavares ou de um Manuel d’Novas. É que o nosso mundo musical está cheio de figuras pequenas e interessantes”, declarou Lima da Cruz ao Expresso das Ilhas.
Segundo o autor da obra, Mané Razuedje é uma figura lendária na Boa Vista. “Não sei se é só por causa de ‘Avezinha de Rapina’. Não é seguramente, porque ele tinha outras composições de igual teor, algumas até com uma cumplicidade de argumentos ainda maior. Portanto, na ilha da Boa Vista, particularmente na zona Norte, é uma figura lendária. Está bem inscrita no imaginário do povo. E tem transitado de geração, em geração, por via oral. Fiquei surpreso agora nos lançamentos do meu livro na Boa Vista, ao ouvir gente de pouca idade a cantar música dele. Perguntei-lhes, ‘como?’. Disseram-me ‘aprendi com minha mãe em casa’.” (Expresso das Ilhas, 07.02.2021).
Composições
Avezinha de rapina; Baía das gatas; Brodjona; Canecadinha; Clavícula; Plamanhãzinha; 4 one; Tchan d’arroz; Rua direita ; Titina; Sanjanense.
Para saber mais
Recordando Mané Razuedje, Eutrópio Lima da Cruz, ed. de autor, 2020.
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