Jacinto Estrela
Jacinto José Estrela
Ribeira Grande, SA, 1883 – Ribeira Grande, SA, 1956
Multi-instrumentista, compositor, professor
Violinista, professor de canto, compositor, funcionário público, fotógrafo. Foi absolutamente autodidata, nunca saiu de Cabo Verde e poucas vezes deixou Santo Antão ao longo da sua vida. Personagem multifacetada, a primeira notícia que temos dele é no jornal A Voz de Cabo Verde, em 1912, num anúncio em que põe à venda um “cinematographo de salão”. Dois anos mais tarde, será o autor, segundo o historiador João Nobre de Oliveira, das primeiras fotografias publicadas na imprensa cabo-verdiana, quando o jornal O Futuro de Cabo Verde inicia, em 16 de julho de 1914, a publicação de uma série de fotografias com paisagens do arquipélago. As primeiras mostram imagens de Santo Antão: Ponta do Sol, Ribeira Grande e Penha de França.
A partir de 1930, Jacinto Estrela é o administrador do concelho da Ribeira Grande. Nessa altura, cria uma escola de música, gratuita, que instala na sua própria casa, e dinamiza o grupo musical Euterpe. Em janeiro de 1933, a escola, que funciona às quartas e sábados das 19h às 21h, tem dez alunos, segundo um artigo no jornal Notícias de Cabo Verde, que descreve a festa do dia 17 de janeiro, data do descobrimento da ilha de Santo Antão, quando os alunos de Jacinto Estrela tocaram na igreja matriz e acompanharam com música a procissão: “Pelas nove horas, um grupo de rapazes estacionava no terreiro da referida vila, todos trazendo a mesma toilette (…) Momentos depois aparece o sr. J. Estrela, e todos – dois a dois – põem-se atrás do mesmo sr. e dirigem-se à Igreja Matriz”, diz o texto, lembrando que o desejo daqueles músicos é possuir um jazz-band (jazz é o nome dado na altura, em Portugal e em Cabo Verde, à bateria).
Em março do mesmo ano, ao comemorar o seu primeiro aniversário, o grupo faz a sua segunda atuação pública, numa sessão realizada no edifício da Escola Central. “No final do programa inteligentemente preparado pelo professor sr. Estrela, a tuna faz vibrar nas cordas dos seus instrumentos algumas mornas de Cabo Verde, sendo três delas da autoria do artista primeiro violino Veríssimo Évora. Tal foi o entusiasmo que alguns não puderam resistir e dançaram aquelas mornas”, relata o artigo, informando que foi aberta uma subscrição para aquisição de instrumentos e que na altura Jacinto Estrela é também o presidente da junta local de Instrução Pública. Para além da sua escola e do grupo Euterpe, dirigiu a certa altura um orfeão, na Ribeira Grande, em que chegou a ter setenta crianças, diz o próprio músico, escrevendo no Notícias de Cabo Verde em 1951.
O seu filho Tiago Estrela, entrevistado em 2011, recorda essas passagens: “Quando regressava do trabalho, na Ponta do Sol, a cavalo, passava ao pé da porta da nossa casa, na Penha de França, mas não parava. Seguia até a Povoação, onde já estava à espera dele um grupo de crianças. Isso, de manhã, porque à noite iam lá para casa uns quantos indivíduos a quem ele ensinava música, com os seus próprios instrumentos. Naquela época, em Santo Antão, era difícil obter instrumentos, imagine-se que um dia um dos seus alunos arranjou um instrumento de sopro, e as pessoas que ouviram aquele som desconhecido espalharam no dia seguinte que aparecera um pássaro noturno a cantar…”
Fosse com os seus alunos ou com os companheiros do grupo Euterpe, “não havia uma festa religiosa, com procissão, na Ribeira Grande, em que o meu pai não estivesse metido”, recorda Tiago Estrela a sua infância, com o pai “sempre às voltas com as coisas culturais, em particular a música. Era um indivíduo especial, guardava coisas, colecionava selos… Na fotografia, não havia casas fotográficas como hoje, ele é que tirava fotografias, em casa, a câmara escura dele era uma caixa com um vidrinho vermelho, estou a vê-lo, metia-se lá dentro, tapava tudo…”
Jacinto Estrela é parceiro de Gabriel Mariano na composição das mornas Sina de Cabo Verde e Mudjer Bonita. “Era mais velho que eu, ele e meu pai eram muito amigos e eu era amigo dos filhos dele. Era um bom músico, tocava rabeca. Falei com ele e ele fez a música de Sina de Cabo Verde”, contou Mariano, entrevistado em 1999.
Como músico e professor, é natural que tenha ensinado os filhos a tocar – um deles, Celso Estrela, pertenceu ao Conjunto de Cabo Verde, nos anos 1960 –, mas foi um dos seus netos que veio a ser, sem que grande contacto tivessem, um dos mais aclamados compositores cabo-verdianos: Manuel d’Novas. Na biografia deste, o sociólogo César Monteiro (2003) esclarece detalhes deste parentesco não assumido oficialmente. Danae Estrela é sua bisneta.
Composições gravadas
Sina de Cabo Verde; Mudjer Bonita
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