Festivais de música em Cabo Verde
Festivais de música em Cabo Verde
Introdução
Por Gláucia Nogueira
Texto baseado no artigo “25 anos no palco e no disco” publicado na revista KCultura (2000, edição comemorativa dos 25 da Independência de Cabo Verde)
O momento de euforia do pós-independência foi marcado, do ponto de vista musical, por temas fortemente datados e politizados e por um período “muito bem caracterizado por um certo número de conjuntos, novas composições e a entrada sistemática nos saraus de números constituídos por batuque e funaná, numa tentativa de revalorização e elevação cultural”, como nota o jornalista Luís Filipe Ramos num artigo de novembro de 1977 no jornal Voz di Povo (1).
Passado algum tempo, verifica-se uma certa quebra e um período de estagnação. Apontando alguns aspetos que caracterizavam aquele momento, o texto refere o desaparecimento de vários grupos, a dispersão dos músicos, a escassez de instrumentos musicais elétricos e a “grande falta de música de Cabo Verde” para transmissão pela rádio – que teria levado a emissora oficial, em 1976, a criar o programa “Música de Cabo Verde – Artistas e Intérpretes”, com o objetivo de gravar atuações de novos artistas e grupos.
Na sequência, outras iniciativas surgem:
Minifestival, 1977
Em 1977, realizou-se na Praia um minifestival de música para recolha de fundos para o III Congresso do PAIGC. Este evento acaba por demonstrar que a estagnação atrás referida era só na aparência, faltando na verdade estímulo e iniciativa, já que a resposta foi “pronta e decisiva”, como afirma o texto citado, com a adesão dos convidados e de outros que se ofereceram voluntariamente para atuar.
O texto preconiza a continuação de ações do género, extensivas às outras ilhas, que constituiriam uma fase de “preparação do grande Festival de Música de Cabo Verde, que se deverá realizar todos os anos como o acontecimento cultural de maior importância no domínio musical”.
Dois anos depois do primeiro minifestival, mantinham-se nas páginas do Voz di Povo as queixas pela escassez de eventos culturais, apontando-se que a música estava associada essencialmente a festas e paródias, e pelas dificuldades materiais. “Muitas vezes, mesmo os acessórios baratos mais importantes, não existem ou são difíceis de encontrar. É o caso das cordas de violão, o nosso instrumento tradicional por excelência”, lê-se num outro artigo de Luís Filipe Ramos, que refere ainda: “Não há instrumentos, não se vendem nem se importam instrumentos. No entanto, existem dez conjuntos na Praia, pois segundo consta foi esse o número de convites feitos pela organização do Mini-Festival. E existem mais.” (2)
Praia-79
Passado menos de um ano e meio do minifestival de 1977, surge o minifestival Praia-79, organizado pela Comissão Cultural do Comité “Zeca Santos” do PAIGC e integrado nas comemorações do Dia Internacional da Mulher.
A lista de participantes inclui nomes já conhecidos e algumas surpresas: Abel Djassi; Nova Vida; Zeca Santos; Voz d´África; Seven Stars; África Show; Os Amílcares; Barca Quinta; Morabeza; Túbia 77; Estrela do Oriente; e o grupo Voz di FARP, cujo primeiro lugar na classificação foi alvo de alguma polémica. Refira-se ainda a participação do violinista Linkin.
Praia-80
No ano seguinte, no âmbito das comemorações do quinto aniversário da independência de Cabo Verde, realiza-se o festival Praia-80. Não tem caráter competitivo, ao contrário dos dois anteriores, e há várias ilhas representadas. Este evento é anunciado como algo que já se pretende “instituído como um ponto de encontro anual da música cabo-verdiana”, lê-se no Voz di Povo em março de 1980 (3). Acaba por ser o marco da consagração do grupo Bulimundo – que até então atuava apenas no interior da ilha de Santiago e em bairros periféricos da capital – e da transformação do funaná de regionalismo em género musical nacional.
(1) Ramos, Luís Filipe, Apontamento a propósito do Mini-Festival de Música, Voz di Povo, 12.11.1977. Obs.: Luís Filipe Ramos é um pseudónimo utilizado na época pelo jornalista Carlos Gonçalves.
(2) Ramos, Luís Filipe, Mini-Festival Praia 79 – Teste aos problemas da música
nacional, Voz di Povo, 22.02.1979.
(3) Música, bailes e convívio com o Festival Praia-80, Voz di Povo, 25.03.1980.