Cordofones
Por Margarida Brito
Os cordofones são instrumentos cujo som vem de uma ou mais cordas esticadas postas em vibração. Nesse grupo encontramos instrumentos de:
- Cordas dedilhadas , como o violão, o cavaquinho e a viola;
- Cordas friccionadas, cujo exemplo mais representativo é a rabeca (violino) e que inclui também a cimboa;
- Cordas percutidas: piano.
Cordas dedilhadas
Violão é o nome genérico da guitarra espanhola ou viola francesa, adotado em Cabo Verde, no Brasil e em algumas províncias de Portugal. É um cordofone dedilhado cuja origem é um pouco obscura. No entanto, sabe-se que instrumentos semelhantes foram utilizados na Antiguidade. As representações remontam a mais de mil anos da nossa era, tendo sofrido transformações através dos séculos.
No Período Barroco (1600-1750) surgiram as primeiras versões da guitarra. Em termos de largura, as guitarras desta época eram menores do que as atuais, e possuíam quatro pares de cordas e uma simples, geralmente de tripa.
A popularidade deste instrumento não é um fenómeno recente. Já nos finais do século XVI, ele se destacou como solista e no acompanhamento do canto e da dança.
A partir do século XVIII o violão (guitarra espanhola) é introduzido na corte espanhola. É a partir deste período de destaque que se operam nele grandes transformações que iriam decidir a sua forma definitiva, no início do século XIX, como por exemplo, o acréscimo da sexta corda (Mi grave), e a substituição das cordas duplas de metal por cordas simples de tripa, ficando assim a sua afinação: mi-si-sol-ré-lá-mi.
A sua popularidade inicialmente estava centrada nas principais cidades europeias, mas depois se expandiu por toda a Europa. Terá provavelmente chegado a Cabo Verde nessa altura. O violão é o instrumento mais executado em Cabo Verde e o mais popular em todas as ilhas, exercendo o papel de solista e de acompanhamento. A sua aprendizagem é geralmente empírica, isto é, os músicos tocam de ouvido, aprendendo as posições básicas (acordes) uns com os outros, chamadas de 1ª 2ª e 3ª e que correspondem à tónica (1º grau), dominante (5º grau) e subdominante (4º grau). Na forma tradicional, os solos e o acompanhamento são executados com o polegar e o indicador. Atualmente, com o surgimento de algumas escolas particulares, esta técnica evoluiu, passando os músicos a utilizar todos os dedos da mão.
Ver: Taninho, Tazinho, Humbertona, Luís Rendall, Vuca Pinheiro, Bau, Voginha, César Lima, Vamar, Hernani Almeida
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Cavaquinho – É um cordofone dedilhado menor que o violão. Este instrumento, ao que tudo indica, entrou em Cabo Verde pela mão dos portugueses, mais concretamente oriundos da região do Minho, onde se popularizou. Segundo alguns estudiosos, foi levado para essa região portuguesa pelos habitantes do atual País Basco. De Portugal expandiu-se para outros pontos, nomeadamente Brasil e Hawai. Neste último tem o nome de ukulele ou ukelele.
Segundo o senhor Batista,[1] o cavaquinho cabo-verdiano tem a mesma dimensão e a mesma afinação que o cavaquinho brasileiro: ré-si-sol-ré. No entanto, podemos encontrar também no Brasil a afinação em ré-sol-si-mi. O cavaquinho português para além de ser menor que o cabo-verdiano e o brasileiro, possui outras afinações, para além da afinação em ré-si-sol-ré.
Este instrumento desempenha um papel mais de acompanhamento rítmico, de tal importância que muitos músicos quando estão a tocar mornas e sobretudo a koladera sentem a sua falta quando não faz parte do agrupamento.
[1] João Baptista Fonseca (1924-1997) , construtor de instrumentos em São Vicente, entrevistado pela autora.
Ver: Bau
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Viola de 10 cordas (cinco cordas duplas) – A viola de dez cordas ou cinco cordas duplas é um cordofone dedilhado cujo tampo superior possui dois orifícios em forma de corações, para a saída do som. É mais pequena do que o violão. As cordas são afinadas com a ajuda de cravelhas feitas exclusivamente de pau.
A sua afinação varia conforme o músico ou mesmo a ilha. Em Cabo Verde a viola de 10 cordas, de origem portuguesa, mais utilizada é a viola amarantina, podendo pontualmente encontrar-se a viola braguesa.
Este instrumento já foi muito utilizado em Cabo Verde no acompanhamento da morna em estilo “rasgado” como elemento rítmico. Atualmente o seu uso é pontual.
Cordas friccionadas
Nas cordas friccionadas temos o violino, ou rabeca (em todas as ilhas) e a cimboa.
Violino – Este cordofone friccionado que existe desde 1550, mas que conheceu a sua importância a partir de 1600, data em que entrou para a corte italiana, sofreu alterações importantes, ao longo do século XVIII. Foi a partir dessa época que se estabeleceu a prática da colocação do violino sob o queixo e não contra o peito ou no braço junto à clavícula, como era hábito fazer. A sua forma definitiva fixou-se nos finais do século XIX.
Popularmente, o violino é chamado de rabeca (Cabo Verde e Brasil). É usado na música tradicional, principalmente na mazurca e na morna, onde desempenha o papel de solista ou fazendo contrassolos do canto.
Em São Nicolau e na Boa Vista ainda existem os bailes de “rabicada”. Nesta ilha o violino desempenhou no passado um lugar de destaque no lundum, expressão de música e dança praticamente em desuso.
Existe uma particularidade muito comum na maior parte dos tocadores de rabeca mais velhos, que é a marcação do compasso da música com os pés quando estão sentados, chegando mesmo a ter, alguns deles, uma tabuinha que servia de percussão. Provavelmente o violino foi introduzido em Cabo Verde nos finais do século XIX, pelos portugueses.
Ver: Travadinha, Nho Kzik, Grupo Pais e Filhos; Grupo Pais e Fidjus de Montrond, Mané Pchei, Nho Nani, Breka
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Rabeca de coque de bli – Este cordofone friccionado é feito a partir da metade de uma cabaça e coberta com pele com um braço feito de caniço.
Segundo um construtor deste instrumento, o Sr. Martinho Pedro Lopes (1), a rabeca é uma imitação inventiva do violino e houve uma época em que, em Santo Antão, davam bailes de rabeca de coque de bli que na altura substituía o violino, dado que este era muito caro para os tocadores. Só quem possuía um violino eram os imigrantes ou familiares destes.
Para construir a rabeca, divide-se a cabaça ao meio no seu sentido longitudinal. Depois da cabaça estar bem trabalhada, introduz-se o braço com as cravelhas, no seu interior. Forra-se com pele, de cabra ou cabrito, que depois é furada. Após isso coloca-se a língua, o cavalete e as quatro cordas. Aa cordas são friccionadas com um arco feito de crina de cavalo.
(1) Entrevistado pela autora.
Cimboa – A cimboa utilizada em Cabo Verde é de origem africana (bérbere). É constituída por uma caixa de ressonância, de cabaça ou coco, com dois orifícios circulares, um maior coberto de uma membrana geralmente de pele de cabra ou de cabrito, o outro aberto à saída do som. Desta caixa de ressonância sai um braço de madeira flexível munido de uma cravelha na extremidade, de onde sai uma única corda feita de crina de cavalo, fixada num pequeno cavalete. A corda é friccionada com um arco feito de ramo de árvore, principalmente de acácia, e crina de cavalo.
Este instrumento, que já foi muito utilizado no batuku, sobretudo no interior da ilha de Santiago. Desde a década de 2000 têm havido algumas iniciativas visando o seu resgate, com ações de formação para a sua construção e execução.
Para saber mais: Pascoal Fernandes diz que Cimboa já devia estar num outro patamar, artigo no Expresso das Ilhas.
Outros textos sobre a sinboa:
Ver: Mano Mendi, Nho Henrique, Gil Moreira
Cordas percutidas
Nas cordas percutidas o mais representativo é o piano. Neste instrumento, as cordas são percutidas por um martelo que é acionado quando o músico pressiona as teclas. Existem dois tipos de piano: o piano vertical e o piano de cauda.
O primeiro piano foi construído em 1709 por Bartolomeo Cristofori. Em 1783, a mecânica do piano foi aperfeiçoada com a junção do pedal pelo construtor inglês John Broadwood.
Em Cabo Verde, este instrumento antigamente era muito utilizado sobretudo pela classe burguesa da época. Pode-se encontrar ainda hoje em algumas famílias pianos antigos, sobretudo verticais.
Nos finais do século XIX o piano teve um papel preponderante na execução da música cabo-verdiana.
Ver: Chico Serra, Tututa, Carlos Matos, Toy Vieira