Como é a tabanka
Por Gláucia Nogueira
A face mais visível da tabanka, para os não iniciados, é o desfile. Ao som de tambores, corneta e búzios, um grupo de homens e mulheres canta e dança, num cortejo colorido e alegre. Mas este é apenas um entre vários aspectos. As atividades da tabanka incluem várias fases e começam três dias antes da festa do santo que se vai homenagear (cada tabanka tem o seu padroeiro), com o pilão – extração do farelo e preparação do milho para a refeição comum que será servida no dia do cortejo. Isto normalmente dura duas noites, ao som de batuque.
Na véspera da festa do santo, a primeira actividade é a missa na igreja católica – ponto de partida para toda a sequência dos festejos –, seguida de procissão (às vezes) e o roubo do santo (representado por uma bandeira e uma vara) na capela da tabanka, chamada capela da corte. O ladrão costuma aparecer acompanhado de duas mulheres e, apesar da acção dos soldados, que têm a função de proteger a imagem do santo, consegue concretizar a sua intenção.
Esta dramatização pressupõe grande algazarra e correrias e, após o roubo, o santo é levado para ser vendido teoricamente numa localidade desconhecida. Na verdade, todos sabem que o comprador será uma das rainhas ou reis da tabanka. No caso de ser uma mulher, é chamada Rainha de Agasalho ou Mandora e, no caso de ser um homem, pode ser chamado Rei de Bandeira.
Entre a data do roubo do santo e a sua recuperação, em sinal de luto a bandeira é colocada a meia haste na capela da corte, onde se realizam as chamadas salvas. Nesse período não há cortejo, a não ser aquele destinado à recuperação do santo. Nesse dia, os membros da tabanka reúnem-se à porta da capela e partem em cortejo, ao som dos tambores, corneta, búzios, com cantos e danças alegres, tendo os ladrões à frente, amarrados e controlados por um carrasco. Eles devem indicar onde venderam o santo (bandeira e uma das varas). Atrás deles vêm o comandante e os soldados, seguidos do restante dos integrantes da tabanka, numa ordem predefinida: ladrões e carrasco; comandante e soldados; um rapaz com duas varas formando um X; rei e rainha de campo e as filhas de santo; figuras alegóricas de aviões, barcos e outros objectos; tamboreiros, corneteiros e tocadores de búzios; cativos e cativas (chamadas negas) em fila indiana.
Quando o cortejo chega perto da casa onde está a bandeira, entra em cena uma nova personagem, o Falcão, que tem a função de identificar o local exacto e de, iludindo a guarda da bandeira, roubá-la e levá-la ao Rei de Campo, que se encontra no cortejo. À porta da casa do comprador, há uma encenação jocosa e quando por fim a vara é entregue ao Rei de Campo, é montado um altar e há salva. Recomeça então o rufar dos tambores, o toque dos búzios e as danças. Após a recuperação do Santo, é servida nessa casa uma refeição a todos os participantes e a festa dura pela noite adentro, em geral ao som do batuque. Tudo termina com novo levantamento do santo, desta vez para que ele regresse à capela.
Para compreender a tabanka
Capela da corte: local onde é montado o altar do padroeiro da tabanka e onde se realiza o ritual da salva.
Roubo do santo: na verdade, não é a imagem do santo que é roubada, mas sim a sua representação, uma bandeira branca com uma cruz vermelha no centro. Além da bandeira, os ladrões levam uma das duas varas que toda tabanka tem.
Varas: têm uma fita vermelha atada numa das pontas e são também representações do santo. Entram em vários rituais da tabanka, como a salva, o cortejo e o levantamento do santo.
Salva: trata-se do ritual realizado na capela da corte durante o período em que o santo está desaparecido. Diante do altar, cheio de velas e com imagens de santos e um crucifixo, reúnem-se homens e mulheres. De pé, em frente ao altar, ficam dois tamboreiros e ao lado do altar dois rapazes seguram cada um uma vara que se cruzam formando um X. O rei preside a salva, que consiste numa sucessão de batimentos dos tambores, segundo determinados compassos, flexões e movimentos de cabeça. A certa altura, as varas são colocadas sobre o altar diante dos tamboreiros e um deles chama os presentes para o beijo das varas, após o que os rapazes dançam ao som dos tambores e palmas, e em seguida entram em cena os búzios. Fora da época festiva, são realizadas salvas no sétimo dia a seguir ao enterro de um membro da tabanka.
Levantamento do santo: é o nome que se dá a toda mudança de lugar (roubo e recuperação) do santo. Faz-se sempre uma salva nesse ocasião.
Personagens
Rei e Rainha de Corte – autoridades máximas. Não são um casal na vida real, apenas na Tabanka; Mandora ou Rainha do Agasalho – compradora do santo; Rei de Bandeira – comprador do santo; Rei de Campo – o que vai recuperar o santo; Ladrão; Carrasco; Soldados e oficiais; Filhas de Santo – acompanham a rainha; Cativos e cativas – o conjunto dos participantes. Elas são chamadas também “negas”; Falcão – o que encontra o santo; Músicos – tamboreiros, corneteiros e tocadores de búzio; Governador – nem sempre aparece no cortejo. É um relações públicas que faz a ponte entre a tabanka e a sociedade, em geral uma pessoa de prestígio e influente, que nem sequer vive na comunidade. Cabe-lhe conseguir apoio financeiro, tratar dos trâmites para a missa, etc.
Referências:
Nogueira, Gláucia. “Tabanca, a tradição de resistir”. Paralelo 14, junho de 2002.
Semedo, José Maria; Turano, Maria R. Cabo Verde – O Ciclo Ritual das Festividades da Tabanca. Praia: Spleen Edições, 1997.