Como é a tabanka

Por GN em

Por Gláucia Nogueira

Tabanka, 2006. Foto cedida por Charles Akibodé

A face mais visível da tabanka, para os não iniciados, é o desfile. Ao som de tambores, corneta e búzios, um grupo de homens e mulheres canta e dança, num cortejo colorido e alegre. Mas este é apenas um entre vários aspectos. As atividades da tabanka incluem várias fases e começam três dias antes da festa do santo que se vai homenagear (cada tabanka tem o seu padroeiro), com o pilão – extração do farelo e preparação do milho para a refeição comum que será servida no dia do cortejo. Isto normalmente dura duas noites, ao som de batuque.

Na véspera da festa do santo, a primeira actividade é a missa na igreja católica – ponto de partida para toda a sequência dos festejos –, seguida de procissão (às vezes) e  o roubo do santo (representado por uma bandeira e uma vara) na capela da tabanka, chamada capela da corte. O ladrão costuma aparecer acompanhado de duas mulheres e, apesar da acção dos soldados, que têm a função de proteger a imagem do santo, consegue concretizar a sua intenção.

Esta dramatização pressupõe grande algazarra e correrias e, após o roubo, o santo é levado para ser vendido teoricamente numa localidade desconhecida. Na verdade, todos sabem que o comprador será uma das rainhas ou reis da tabanka. No caso de ser uma mulher, é chamada Rainha de Agasalho ou Mandora e, no caso de ser um homem, pode ser chamado Rei de Bandeira.

Tocadora de sinboa, em desfile de tabanka. Cena do filme Alma ta Fika, de João Sodré (1989)

Entre a data do roubo do santo e a sua recuperação, em sinal de luto a bandeira é colocada a meia haste na capela da corte, onde se realizam as chamadas salvas. Nesse período não há cortejo, a não ser aquele destinado à recuperação do santo. Nesse dia, os membros da tabanka reúnem-se à porta da capela e partem em cortejo, ao som dos tambores, corneta, búzios, com cantos e danças alegres, tendo os ladrões à frente, amarrados e controlados por um carrasco. Eles devem indicar onde venderam o santo (bandeira e uma das varas). Atrás deles vêm o comandante e os soldados, seguidos do restante dos integrantes da tabanka, numa ordem predefinida: ladrões e carrasco; comandante e soldados; um rapaz com duas varas formando um X; rei e rainha de campo e as filhas de santo; figuras alegóricas de aviões, barcos e outros objectos; tamboreiros,  corneteiros e tocadores de búzios; cativos e cativas (chamadas negas) em fila indiana.

Quando o cortejo chega perto da casa onde está a bandeira, entra em cena uma nova personagem, o Falcão, que tem a função de identificar o local exacto e de, iludindo a guarda da bandeira, roubá-la e levá-la ao Rei de Campo, que se encontra no cortejo. À porta da casa do comprador, há uma encenação jocosa e quando por fim a vara é entregue ao Rei de Campo, é montado um altar e há salva. Recomeça então o rufar dos tambores, o toque dos búzios e as danças. Após a recuperação do Santo, é servida nessa casa uma refeição a todos os participantes e a festa dura pela noite adentro, em geral ao som do batuque. Tudo termina com novo levantamento do santo, desta vez para que ele regresse à capela.

Para compreender a tabanka

Capela da corte: local onde é montado o altar do padroeiro da tabanka e onde se realiza o ritual da salva. 

Roubo do santo: na verdade, não é a imagem do santo que é roubada, mas sim a sua representação, uma bandeira branca com uma cruz vermelha no centro. Além da bandeira, os ladrões levam uma das duas varas que toda tabanka tem.

Varas: têm uma fita vermelha atada numa das pontas e são também representações do santo. Entram em vários rituais da tabanka, como a salva, o cortejo e o levantamento do santo.

Salva: trata-se do ritual realizado na capela da corte durante o período em que o santo está desaparecido. Diante do altar, cheio de velas e com imagens de santos e um crucifixo, reúnem-se homens e mulheres. De pé, em frente ao altar, ficam dois tamboreiros e ao lado do altar dois rapazes seguram cada um uma vara que se cruzam formando um X. O rei preside a salva, que consiste numa sucessão de batimentos dos tambores, segundo determinados compassos, flexões e movimentos de cabeça. A certa altura, as varas são colocadas sobre o altar diante dos tamboreiros e um deles chama os presentes para o beijo das varas, após o que os rapazes dançam ao som dos tambores e palmas, e em seguida entram em cena os búzios.  Fora da época festiva, são realizadas salvas no sétimo dia a seguir ao enterro de um membro da tabanka.

Levantamento do santo: é o nome que se dá a toda mudança de lugar (roubo e recuperação) do santo. Faz-se sempre uma salva nesse ocasião.

Personagens

Rei e Rainha de Corte – autoridades máximas. Não são um casal na vida real, apenas na Tabanka; Mandora ou Rainha do Agasalho – compradora do santo; Rei de Bandeira – comprador do santo; Rei de Campo – o que vai recuperar o santo; Ladrão; Carrasco; Soldados e oficiais; Filhas de Santo – acompanham a rainha; Cativos e cativas – o conjunto dos participantes. Elas são chamadas também “negas”; Falcão – o que encontra o santo; Músicos –  tamboreiros, corneteiros e tocadores de búzio; Governador – nem sempre aparece no cortejo. É um relações públicas que faz a ponte entre a tabanka e a sociedade, em geral uma pessoa de prestígio e influente, que nem sequer vive na comunidade. Cabe-lhe conseguir apoio financeiro, tratar dos trâmites para a missa, etc.

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Referências:

Nogueira, Gláucia. “Tabanca, a tradição de resistir”. Paralelo 14, junho de 2002.

Semedo, José Maria; Turano, Maria R. Cabo Verde – O Ciclo Ritual das Festividades da Tabanca. Praia: Spleen Edições, 1997.

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