Cantos de trabalho
Por Gláucia Nogueira
Os cantos de trabalho estão presentes na vida quotidiana sobretudo em atividades no meio rural, com diferentes funções. Podem responder à necessidade de comunicação entre os trabalhadores ou ser uma forma de estímulo para animar os que se esforçam, sejam eles pessoas ou animais que ajudam na labuta.
Podem ainda ter uma função de evasão, que alivie a dureza do labor.
Em Cabo Verde, há registos de cantos de marinheiros e pescadores; de camponeses a semear ou a mondar, assim como a espantar as aves ao som de cantigas; e cantos associados ao trabalho com os bois na moagem da cana-de-açúcar.
Há outros exemplos, mas são estes os apresentados no livro Cantigas de Trabalho (1984), da autoria de Oswaldo Osório, que fez as recolhas nas ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Santiago, Fogo e Brava e as transcreve no livro. O que se apresenta aqui baseia-se sobretudo nesta obra, que inclui ainda recolhas de Luís Romano, João Freire de Oliveira e Ildo Lobo. Por outro lado, algumas gravações realizadas em diferentes iniciativas permitem apresentar alguns exemplos em áudio.
No livro Cantigas de Trabalho, elas encontram-se divididas em:
Cantigas agrícolas
- cantigas de guarda-de-sementeira
- cola boi
- bombena (cantiga de mondadores)
Cantigas marítimas
Há também a referir, no contexto dos cantos de trabalho, as cantigas de lavadeiras, que a obra de Oswaldo Osório não abrange. No passado, em períodos de abundância de chuvas, as labadas (canaletas para distribuição de águas nas propriedades rurais) e as ribeiras enchiam-se de água, e aí reuniam-se mulheres a lavar roupa. A atividade era acompanhada por histórias do dia-a-dia e recados mandados de umas às outras, segundo o antropólogo Humberto Lima, que refere, num texto publicado na revista Fragata (março de 1999), que na Brava e no Fogo estas ocasiões eram os principais momentos em que ocorriam os rafodjus (ditos sarcásticos ou picantes em forma de desafio).
Sobre o livro: Cantigas de Trabalho foi uma obra pioneira entre os esforços de valorização das manifestações culturais tradicionais de Cabo Verde no pós-independência. Foi o primeiro livro com textos na língua cabo-verdiana utilizando o alfabeto de base fonético-fonológica, mais tarde institucionalizado como Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-Verdiano (ALUPEC). Inaugurou a colecção “Tradições Orais de Cabo Verde”, do Instituto Cabo-Verdiano do Livro, pela qual mais tarde foram publicados os livros sobre Nha Gida Mendi, Nha Bibinha Cabral e Nha Nácia Gomi.
Segundo Oswaldo Osório, na época funcionário da Direcção-Geral da Cultura, o trabalho não foi feito em profundidade – por falta de tempo e recursos –, mas sim em extensão. “Se fosse mais aprofundado, haveria mais coisas a revelar, como por exemplo o canto das mondadeiras, das lavadeiras, coisas que possivelmente hoje já não existem”, referiu em entrevista a Paralelo 14 em 2005. O trabalho foi feito no âmbito das comemorações do 5º aniversário da independência mas, por problemas financeiros, o livro só saiu da gráfica em 1984, quase a comemorar-se o 10º aniversário. Ainda há exemplares à venda na livraria da Biblioteca Nacional.
O livro Cantigas de Trabalho contém um disco de vinil com as gravações. Mas são mais acessíveis em áudio as recolhas que se encontram em CD e disponíveis online. Por exemplo, aquelas realizadas em 1980, por João Freire de Oliveira, cujas gravações resultaram no CD Music from São Nicolau (editado na Alemanha em 2000 pela editora Popular African Music). Mais tarde, em finais da década de 1990, em duas ocasiões foram gravados cantos de trabalho: pelo investigador português José Moças, que gravou cola boi e inseriu um trecho no CD Dez Granzin di Tera (1998), da coleção A Viagem dos Sons (editora Tradisom); e pela equipa do etnólogo francês Jean-Yves Loude, que recolheu trechos de cola boi e de bombena, que se encontram no CD Cap-Vert – Un Archipel de Musiques (1999), editado pela editora francesa Ocora.
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Referências:
Lima, Humberto. “As cantigas de trabalho”, Fragata, março de1999.
Magalhães, Chissana. “‘Blimundo’ em palco pela terceira vez este ano”, Expresso das Ilhas, 22.12.2016.
Nogueira, Gláucia. “Cantigas de trabalho completa 25 anos”, Paralelo 14, 18.02.2005.
Osório, Oswaldo. Cantigas de Trabalho. Praia: Comissão para as Comemorações do 5º Aniversário da Independência de Cabo Verde/Sub-Comissão para a Cultura, 1984.
Agradecimentos a José António Spínola Gomes e a Marzio Marzot pela colaboração na construção destas páginas.