B’ta saúde

Por GN em

Por Gláucia Nogueira

As cantigas denominadas b’ta saúde (ou boxôn), significando “fazer votos de saúde”, são uma parte da tradição musical da ilha de Santo Antão. Cantadas sobretudo por ocasião de casamentos, tem-se notícias delas desde o século XIX.

A partitura de “Nho Meguel Pulnâro” (“Sr. Miguel Apolinário”, como fica esclarecido em português) aparece na edição de 1899 do Almanach Luso-Africano, publicado pelo cónego Teixeira. Indicada como “saudação popular” e com a menção de provir da localidade (hoje município) do Paul, a cantiga vem com partitura e letra, e a indicação de ter o andamento de galope.  

Página do Almanach Luso-Africano, 1899

Cerca de 20 anos antes disso, o médico Custódio José Duarte, que durante algum tempo esteve em Santo Antão como delegado de saúde, deixou o seu relato sobre essas cantigas. Escrevendo sobre aspetos da vida nesta ilha naquela época, entre os quais as práticas relacionadas com bailes e música, Duarte refere que ao longo de um baile – ao som de uma rabeca, uma viola e o bater do pé de um dos músicos no chão para marcar o compasso – há um momento em que tem lugar o “desejar saúde”.

A hora adiantada, quando a dança vai ganhando animação, a gente do povo, que sempre se acumula às portas quando não invade a sala, começa ao som da música duma certa morna e batendo palmas, a entoar umas certas frases, que consistem ordinariamente em desejar saúde a este ou àquele par. O indivíduo contemplado nestas cantilenas é de feição remunerar d’alguma sorte os lisonjeiros. Algumas vezes na ocasião atira com um lenço ao magote do povo e vai recebê-lo depois mediante uma pequena gratificação.

Custódio José Duarte, em “Notícia sobre a ilha de Santo Antão”, Boletim Oficial,  9.11.1872

De lá para cá, diferentes letras foram surgindo. Nho Meguel Pulnâro tounou-se Nho Manel Juquim em algumas versões, em outras aparece a menção a Nho Santo André. Desde a década de 1970, fizeram-se pelo menos dez gravações desta cantiga, que ganhou outros espaços e foi parar em contextos bem distantes dos casamentos tradicionais em Santo Antão. Por exemplo, em bailes da comunidade cabo-verdiana em Massachussets, interpretada pelo grupo Ecos de Cabo Verde. Ou então, na versão de Humbertona, Waldemar e Marcelo (do grupo brasileiro Quinteto Violado), que a gravaram no disco Stora Stora. Mais tarde, o Quinteto Violado regravou-a, cantando em português, no seu álbum Ilhas de Cabo Verde.  

Teresa Lopes da Silva, Celina Pereira, Luís Morais, Alcides, Nha Antónia d’ Aninha, Nancy Vieira, Gabriela Mendes, e Tibau acompanhado dos Pupkulies & Rebecca são exemplos de interpretações ao longo do tempo.

Na literatura, o livro “O casamento de Juquim Dadana”, do escritor João Rodrigues, publicado em 1975,  reproduz uma das versões da letra traduzida para o português e respectiva partitura elaborada por Luís Morais:    

Ver e ouvir

Referências:

Almanach Luso-Africano, 1899.

Duarte, Custódio José. “Notícia sobre a ilha de Santo Antão”, Boletim Oficial,  9.11.1872.

Rodrigues, João. O casamento de Juquim Dadana, Gráfica do Mindelo, São Vicente, 1975.

Agradecimentos a Alcides Delgado Lopes, César Couto Rodrigues, Manuel Brito Semedo e Osvaldo Osório pelo apoio à elaboração desta página.

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