Bibinha Cabral, Nha

Por GN em

Nha Bibinha Cabral. Fonte: Ña Bibiña Kabral – Bida y Óbra (1988)

Maria Mendes Cabral

Tarrafal, Santiago, 1899 – Tarrafal, Santiago, 1985

Batukadera, compositora de finason

Nha Bibinha Cabral é um dos nomes mais antigos do batuku e do finason que chegaram a ser conhecidos e retratados, no período pós-independência, quando estas expressões culturais populares já não eram desprezadas e reprimidas, como era no período colonial. Chegou à nova era, e comemorou os cinco anos da independência de Cabo Verde a atuar no cine-teatro da Praia. Por essa época, a sua vida e obra foram tema de uma investigação por parte de Tomé Varela da Silva que resulta num livro publicado dois anos após a sua morte.

Nha Bibinha começou a cantar na adolescência. Contudo, por volta dos 19 anos, o noivo e futuro marido, que era sacristão – recorde-se que a Igreja Católica condenava o batuku, apontando a sua dança como lasciva –, proíbe-a de participar nestas festas. Ela obedece, ficando 37 anos afastada das cantorias. Durante muito tempo o marido foi emigrante nos EUA, e as suas remessas de dinheiro garantiam à mulher uma “bida di madama”, proprietária de casa e terra. Quando regressa a Cabo Verde, doente, ele hipoteca as propriedades para tentar tratar-se e, após a sua morte, em 1945, ela acaba por ficar na miséria. Recomeça a cantar 11 anos depois, e as cantigas antes proibidas são agora o ganha-pão com o qual ela irá sustentar, durante mais de duas décadas, um filho que regressou inválido das roças de S. Tomé e Príncipe, único familiar que lhe ficara, já que os outros oito filhos também já tinham falecido. O relato é de Alsacem (pseudónimo de Alexandre Semedo), no Voz di Povo (09.08.1986).

Cantava por uma necessidade intrínseca de sentir alegria e de afastar a tristeza moral e material, e por uma necessidade extrínseca de sentir-se rodeada de sabura pela alegria que ela semeava no coração das pessoas, com suas cantigas contagiantes, que se tornaram uma presença necessária na maior parte das festas do seu concelho e não só.

Tomé Varela da Silva, em “Ña Bibiña Kabral – Bida y Óbra”

As letras das suas cantigas refletem os seus reveses familiares e as dificuldades económicas por que passou. O povoado onde vivia, Curral de Baixo, devido à escassez de água acabou por se tornar um deserto e Nha Bibinha, como outros moradores do local, rumaram para a vila do Tarrafal ou outros lugares. No fim da sua vida, recebia uma pensão dos serviços de ação social e o município do Tarrafal atribuiu-lhe uma casa.

Em 1982, o realizador norte-americano Gei Zantzinger gravou em vários pontos de Santiago expressões da música tradicional. O documentário daí resultante, intitulado Songs of the badius, é dos raros registos em vídeo e áudio da cantadeira.

Princezito, que a conheceu em criança, tendo ela mais de 70 anos, recorda que Nha Bibinha, residindo nos arredores da vila do Tarrafal, dirigia-se diariamente ao centro da vila para vender ovos e aves, que era nessa época o seu sustento. O artista recorda que, não tedo um grupo, ela chamava algumas batukaderas para acompanhá-la na tchabeta, quando era convidada para algum evento. E tinha grande poder de improviso, recorda Princezito, apontando a contradição que havia entre a sua aparência frágil e pequena estatura e “toda aquela força que ela tinha, cantava de dia, cantava de noite, dois ou três dias seguidos” (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens, 2016).

Em fevereiro de 2000, por ocasião do centenário do seu nascimento, um artigo de Alexandre Semedo no jornal Horizonte (03.03.2000) recordava aquela aparência frágil e as bênçãos que distribuía a todos os que se aproximassem dela: “Era um autêntico recital de finason, rico em conteúdos e ensinamentos, recheados da preocupação de evitar repetições.”

O seu nome é evocado por um grupo de batukaderas criado em 1994 em Portugal, no município da Amadora, Netas de Bibinha Cabral, e um grupo de dança do Tarrafal denomina-se Fidjus di Bibinha Cabral.

Nho Henrique e Nha Bibinha. Foto: Leão Lopes, reproduzido de Ña Bibiña Kabral – Bida y Óbra

Para saber mais

Ña Bibiña Kabral – Bida y Óbra, ICL, Praia, 1988. Org. Tomé Varela da Silva, em colaboração com Horácio Santos e Alexandre Semedo. Em cabo-verdiano. Contém informações biográficas, letras de cantigas e entrevistas com e sobre Nha Bibinha Cabral.

Songs of the badius, DVD, Gei Zantzinger/Constant Spring Productions, Devault (EUA). Documentário.

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