Eutrópio Lima da Cruz

Por GN em

Eutrópio Lima da Cruz, a reger o orfeão. Com Nicolas Soares e cantores do grupo (fonte: Facebook).

Eutrópio Lima da Cruz

Povoação Velha, Boa Vista, 1950

Compositor, instrumentista (teclados)

Caso raro entre os personagens da música de Cabo Verde, pelo interesse em trabalhar na linha erudita as manifestações musicais populares do país, é, neste tipo de proposta, um raro “cúmplice” de Vasco Martins, com cuja colaboração, aliás, contou para produzir os seus trabalhos em sistema MIDI, solução que permitiu a estes músicos contornar a dificuldade de fazer interpretar os seus temas por formações orquestrais.

Em A Mi n ta Monda, seu trabalho, de 1991, o músico debruça-se sobre os padrões rítmicos do batuku e da tabanka. Em Ilhas Barrocas, editado quase dez anos depois, são visitados vários outros géneros, como funaná, morna, landu, bandera e mazurca.

Eutrópio Lima da Cruz presidiu, em 1988, na qualidade de Director-Geral de Animação Cultural, o I Encontro de Música Nacional, evento que pretendeu traçar uma radiografia das manifestações musicais cabo-verdianas, e é da sua autoria um documento preparatório do encontro, elaborado a partir de visitas às ilhas para contactos com os artistas espalhados pelo país.

Antes disso, enquanto padre (1972 a 1984) a trabalhar no seminário da Praia – no qual foi professor e reitor –, dirigiu um orfeão que chegou a ter 60 vozes, e que nos seus dois anos de existência (1975-1977) realizou onze atuações, uma das quais no Palácio da Presidência da República, por ocasião da visita a Cabo Verde do presidente senegalês Léopold Senghor, em 1977. O orfeão interpretava música clássica em geral, árias de óperas e temas cabo-verdianos arranjados para vozes. Também se dedicava ao teatro, tendo encenado autores como Sheakeaspeare e o brasileiro Joracy Camargo. “O grupo extinguiu-se por morte natural”, conta o seu dinamizador em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens, devido à emigração ou aos estudos dos seus membros, que eram seminaristas e jovens da paróquia. Contudo, em 2009 um novo orfeão nasceu pela sua iniciativa, do qual se desligou em 2020.

Eutrópio Lima da Cruz, na contracapa do seu primeiro álbum

Eutrópio Lima da Cruz não fez estudos específicos de música. Teve neste domínio a formação básica oferecida no seminário da Praia, depois continuada em Leiria e em Roma, onde também estudou. Por iniciativa própria e de forma autodidata, aprofundou os estudos “pela descoberta, como hobby”, dizendo considerar-se “um melómano razoável”.

Deputado pelo PAICV em três legislaturas, que compreende o período de 1987 a 2000, suspendeu o seu segundo mandato em 1992, quando foi eleito presidente da Câmara Municipal da Boa Vista. No parlamento, veio a ocupar também o cargo administrativo de secretário-geral.

Na vertente literária, publicou em 1999 o romance Percurse de Sul d’Ilha, pela Associação dos Escritores Cabo-Verdianos (AEC), a primeira obra escrita na língua cabo-verdiana na variante da Ilha da Boa Vista. Publicou também Degradações e Esperanças, em 2017, sobre um tema bem atual, o “bairro da Barraca”, que nasceu espontâneo e descontrolado na sequência da migração de trabalhadores das obras para a Boa Vista em anos recentes. No âmbito da investigação, publicou dois livros sobre compositores da ilha da Boa Vista, Djidjungo e Mané Razuedje, revelando o seu empenho na preservação da memória desses personagens. Em 2020, Recordando Mané Razuedje e, em 2022, Djidjung(u)e – Vida e Obra.

Discografia

  • A Mi n ta Monda, LP, edição de autor, Praia, 1991.
  • Ilhas Barrocas, CD duplo, edição de autor, Praia, 2001. CD 1: reedição remasterizada de A Mi n ta Monda; CD 2: temas originais.

Obras publicadas

  • Percurse de sul d’ilha, AEC, Praia, 1999. Romance, em cabo-verdiano. 
  • Degradações e Esperanças, Pedro Cardoso Livraria, 2017.
  • Recordando Mané Razuedje, edição do autor, 2020.
  • Djidjung(u)e – Vida e Obra, edição do autor, 2023.

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