Tocadores de gaita
O acordeão (gaita, como é habitualmente chamada em Santiago) é um tópico muito específico entre os instrumentos musicais utilizados na música cabo-verdiana. Permanece praticamente restrito à ilha de Santiago e associado fortemente ao funaná, com raras exceções.
Por sua vez, os músicos que se dedicam a esse instrumento, os chamados tocadores de gaita são também um grupo específico no universo musical cabo-verdiano. Um âmbito (também com raras exceções), marcadamente masculino, como evidencia o título do livro Funaná, Raça e Masculinidade – Uma Trajetória Colonial e Pós-Colonial (2021), do antropólogo português Rui Cidra, que investigou esse segmento das práticas musicais cabo-verdianas em Santiago e Portugal.
Ao longo do tempo, os estereótipos sobre os santiaguenses evidenciavam certos padrões de masculinidade a que estavam associados o consumo de álcool e comportamentos por vezes violentos, entre outros aspetos que contribuíam para a sua estigmatização, mas que eram, por outro lado, assumidos como elementos identitários. Os tocadores de gaita surgem inseridos nesse imaginário.
Com o tempo, contudo, a imagem pública desses músicos foi-se dissociando desses padrões, e uma geração mais recente de tocadores de gaita não parece vincular-se a essa imagem, associando-se mais a um universo pop e jovem do que a padrões tradicionalmente associados ao mundo rural badiu.
Esta secção reúne todos eles, e também a mulher tocadora de gaita, até agora ainda uma exceção neste contexto.
Existe entre os músicos do funaná uma prática de alterar a afinação da gaita. Alguns deles tornaram-se célebres por essas “cirurgias” e recebem encomendas de outros para realizar esse trabalho. Caetaninho (1922-1987), Julinho da Concertina e Belo Freire são alguns nomes conhecidos por essa faceta. “Estou a mudar e a combinar as vozes (…) se eu não o fizer, o instrumento não toca porque, da forma como veio, sai é o som deles. O instrumento fica confuso. Não toca à nossa maneira”, refere Caetaninho, citado por Kaká Barbosa no artigo “Son di terra, a voz ou o som da identidade” (Horizonte, 20.02.2004)..
Descrevendo o trabalho do músico, Barbosa refere: “(…) de bocadinhos de lâminas sintéticas de várias espessuras obtidas em ateliers de fotografia e nas cabinas de cinema ou recolhidas algures, ele fabricava as palhetas que eram fixadas, à cola crazy, nos suportes em alumínio ou em latão ou bronze achatados, correspondendo cada uma das suas ranhuras a uma voz, quer dizer, a uma nota musical”.
Sobre essa necessidade de mudar a voz do instrumento, cabo-verdianizando-o para que se torne eficaz para compor e tocar à maneira di tera, Codé di Dona afirmou numa entrevista ao Novo Jornal Cabo Verde (18.09.1993): “Afinar uma gaita é como limar uma faca.”
Navegue pelas páginas dos tocadores de gaita:
Codé di Dona, Sema Lopi, Antão Barreto, Caetaninho, Tchota Suari, Bitori Nha Bibinha, Belo Freire, Nildo Belo Freire, Katuta Branca, João Cirilo, Julinho da Concertina, Memé Landim, Iduíno, Nila Freire, Manazinha, Benvindo, do grupo Rapazis di Rincon.
Para saber mais
Cidra, Rui. Funaná, Raça e Masculinidade – Uma Trajetória Colonial e Pós-Colonial (2021). Outro Modo Cooperativa Cultural, 2021.
Hurley-Glowa, Susan. Batuko and Funana: Musical Traditions of Santiago, Republic of Cape Verde. Doctoral dissertation, Brown University, 1997.
Visite também a secção Instrumentos Musicais, em que o acordeão está na secção dos aerofones.
Esta é uma
Pouco a pouco, mais nomes virão a fazer parte dela.