José Bernardo Alfama

Por GN em

José Bernardo Alfama. Fonte: A Voz de Cabo Verde

José Bernardo Alfama

São João Baptista, Brava, 1861 – São João Baptista, Brava, c. 1921

Compositor, poeta

Músico, poeta, funcionário público, republicano, colaborador ativo da imprensa cabo-verdiana nos primeiros anos do século XX, através da qual ficamos a saber das suas múltiplas atividades. Como vários outros do seu tempo em Cabo Verde, um intelectual, ainda que não tenha ido além da instrução primária.

Publicou, em 1910, Canções Crioulas e Músicas Populares de Cabo Verde, em que reproduz letras e partituras de nove composições. É uma das primeiras compilações de música de Cabo Verde. Obra interessante, por ser reveladora de como as coisas se passavam na altura, no que se refere à morna. Em alguns casos, Alfama compõe versos para músicas já existentes, provavelmente melodias em voga na altura, não necessariamente da sua autoria. O prefácio é elucidativo: “Sem tirar o ‘tic’ popular – antes procurando imprimir-lhe o morno sabor (seja permitido o termo, visto que se trata de mornas) – o obscuro autor dos singelos e despretensiosos versos ao adiante publicados teve, contudo, que alterar algumas das músicas, pois que não foram estas que se subordinaram aos versos, mas sim estes àquelas”.

Ele prossegue: “É natural, pois, que aqui ou ali apareça um ou outro verso duro ao canto, que a pobreza do meu engenho não pode evitar, mas, como o meu único fim, encetando esta publicação, é apenas tornar conhecidas as muito faladas ‘mornas’ de Cabo Verde, ouso esperar que a maleabilidade da voz da gentil crioulinha – que honrar os meus pobres versos, cantando-os – suprirá quaisquer faltas que, porventura, neles ou nas músicas encontrar.”

Assim, encontram-se lado a lado versos e partitura em que os títulos – note-se, dos poemas em português – não coincidem. Os versos de “Desillusão” correspondem à música “Despedida da Brava”; os de “Iddylio” correspondem a “Pepita”; e os de “Mal sabes”  a  “Mudjer, mal nhâ sabê”. Os restantes temas do livro, com letra em cabo-verdiano, são: “Nha Djedjê”, “Indjetadinha” (dedicada a Eugénio Tavares), “Xico Nhâ fidjo”, “Tambradinha”, “Saudação – Nhô Dom Luiz Filippe” e “Saudação – Nhô Arze d’Órnela”. Com exceção desta última, todas coincidem nos títulos (poema/partitura).

As duas últimas composições são alusivas à passagem por Cabo Verde, em 1907, do príncipe real D. Luís Filipe. Estão também na publicação comemorativa dessa visita, em que se indica que os versos para D. Luís Filipe são para serem cantados “na sua morna”, cuja música é assinada por A. Abelha. Aquela dedicada ao conselheiro Ayres d’Ornellas traz a indicação de ser cantada com a morna “Maria Adelaide”.

Nos versos que publica neste volume (há também um poema dedicado à Rainha D. Amélia), Alfama, por trás do tom laudatório com que homenageia estes personagens de destaque, fala da pobreza das ilhas e reivindica uma escola.

A educação, aliás, foi uma das suas preocupações e área em que foi um verdadeiro militante. A Voz de Cabo Verde, em novembro de 1913, relata um evento relacionado com a Associação de Assistência Escolar da Praia, presidida por Alfama: a inauguração de uma escola na Trindade, criada pela Comissão Municipal. O jornal esclarece que este era projeto da associação, que o município veio depois a concretizar.

“No domingo passado, o batalhão escolar, criado por essa benemérita associação a cuja frente se vê a figura simpática de José Bernardo Alfama, foi à Trindade, acompanhado de música, a inaugurar a escola ultimamente criada pela Comissão Municipal desta cidade”.

A Voz de Cabo Verde, 10.11.1913

Depois de durante anos ter sido colaborador do jornal A Voz de Cabo Verde, utilizando o pseudónimo O Mocho, é neste jornal, em 01.07.1912 que encontramos um perfil biográfico de Alfama, informando que ele provém de uma das principais famílias da Brava e que foi durante muito tempo exator da Fazenda, sendo nomeado, em 1899, tesoureiro geral. Nesta qualidade, guardou durante cerca de 12 anos, segundo o jornal, as contas que inocentaram Eugénio Tavares das acusações de que fora alvo na altura, de desfalque aos cofres públicos.

Embora o seu nome se tenha esbatido ao longo do tempo, se comparado aos dos seus contemporâneos Pedro Cardoso e Eugénio Tavares, José Bernardo Alfama terá sido, ao lado de ambos, figura de destaque no cenário musical e literário do seu tempo. Em O Mundo Português (nº 50 Fev. 1938), um texto intitulado “As ‘mornas’ de Cabo Verde e seus poetas” destaca precisamente estes três nomes. Em 1914, Pedro Cardoso dedicava-lhe o poema “A morna” (publicado sob o pseudónimo Afro em A Voz de Cabo Verde, 04.05.1914). Em Lisboa, em 1934, temas seus faziam parte do repertório do grupo liderado por Luís Rendall, que atuou na Exposição Colonial do Porto e numa sessão cultural cabo-verdiana em Lisboa, organizada pelo jornal O Século.

Composições

Desillusão; Iddylio; Mal sabes; Nha Djedjê; Indjetadinha; Xico Nhâ fidjo; Tambradinha; Saudação – Nhô Dom Luiz Filippe; Saudação – Nhô Arze d’Órnela.

Obra publicada

  • Canções Crioulas e Músicas Populares. Imprensa Comercial, Lisboa, 1910. Letras/partituras.

Para saber mais

A Imprensa Cabo-Verdiana – 1820-1975, João Nobre de Oliveira, 1998.


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