Frank Cavaquinho
Francisco Vicente Gomes
Ribeira Grande, Santo Antão, 1927 – Roterdão, Holanda, 1993
Compositor, multiinstrumentista
Frank Cavaquinho está entre os compositores mais gravados na música de Cabo Verde a partir dos anos 1960. A maior parte da sua obra – cerca de meia centena de músicas – são koladeras. Várias delas trazem letras que, mesclando ironia e malícia, estão impregnadas de uma misoginia bem-humorada com finalidade moralizante, que acaba por caracterizar a koladera, no senso comum, como um género musical em que se critica as mulheres. Mas seria redutor situar Frank Cavaquinho apenas nesse âmbito. Por um lado, as letras não definem um género musical. Por outro, o que importa observar, quanto aos textos, é o que revelam – falando de riolas, vaidades, modismos, prazeres, tropeços – sobre o quotidiano e a mentalidade do seu tempo, atributo por excelência da obra dos compositores de música popular, que com a sua criatividade produzem, de pequenas misérias e alegrias, obras que ficam para sempre.
Algumas dessas músicas tiveram resposta. Manuel d’Novas recorda em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens: “Ele vendia água no chafariz de Monte Sossego, e passavam lá as raparigas do bairro. Ele fez aquela música, dizendo que as menininhas de Monte Sossego não prestavam para nada, era só andar para cima e para baixo a fazer certas peripécias. Então fiz a resposta, a falar bem delas, para o contradizer”. Segundo Moacyr Rodrigues, no livro Mornas e Coladeiras de Frank Cavaquim (1992), uma compilação com parte das letras do compositor, “Minininhas de Monte Sossego”quase levou a que o Frank fosse apedrejado pelas jovens que se sentiram atingidas pela letra da música, que falava da sua má-língua. Outra composição que teve resposta foi “Holandeza”, sobre as mulheres de emigrantes que se permitiam certos luxos e frivolidades com o dinheiro enviado pelo marido à custa de sacrifício. Na sua letra, Novas refere a “correntinha no dedo” que Frank trazia sempre, com as suas chaves. “Quando mencionei a corrente, logo ele apanhou que era com ele. Mas éramos bons amigos, chamávamo-nos compadres.”
Cerca de oitenta gravações de temas de Frank Cavaquinho, excluindo compilações que os repetem e rapsódias, encontram-se em discos dos mais variados intérpretes, começando por Titina e Djosinha. O EP editado pela Casa do Leão em 1960 com estes dois intérpretes – no qual Frank toca bateria, ao lado de Luís Morais (clarinete), Lela Preciosa e Toim (violões), José Pinto (contrabaixo) e Euclides (cavaquinho) – é totalmente composto por temas seus: “Puli rua”, “Holandeza” e “Juvita de praça”, na voz de Djosinha, e “Estanhadinha”, interpretada por Titina. A cantora recorda-se desses tempos, quando fazia com Frank um programa em direto às quintas-feiras, na Rádio Clube do Mindelo. “Ele ia esperar-me à saída da escola para me ensinar músicas novas, estava a compor muitas koladeras na época” (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). Das muitas que compôs, esta que Titina lançou na sua estreia discográfica foi a mais gravada. Ainda nos anos 1960, ela própria a regravou nos tempos do Conjunto de Cabo Verde; Bana e Fernando Quejas também o fizeram. Nos anos 1990, entre outros intérpretes, Cesária Évora teve nesta música um dos seus grandes sucessos, com registos em estúdio e ao vivo. Para quem ficou mais conhecido pelas koladeras, refira-se as mornas “Eternidade”, “Console di nha vida” e “Rotcha nu”, que estão entre os seus temas mais gravados.
Como no caso de muitos outros compositores, a obra de Frank Cavaquinho tem vários casos de músicas cuja autoria é atribuída a outros, bem como o inverso. As capas dos discos nem sempre são confiáveis. A koladera “Surpresa”aparece em diversos discos como sendo de Luís Morais, em outros como de Frank; “Sabine largame”, de Cacói, aparece por vezes em nome de Frank (embora, neste caso, Moacyr Rodrigues afirme, na compilação que organizou, que Frank compôs duas novas estrofes a partir do original de Cacói); “Estanhadinha”, por sua vez, já foi atribuída a Ti Goy; enquanto “Puli rua” e “Sampadjuda”, em várias gravações, são dadas como “popular”, recurso fácil quando simplesmente não se sabe o autor.
Frank Cavaquinho destacou-se não só no instrumento que lhe dá a alcunha, que aprendeu a tocar ainda criança, em Santo Antão, mas também na bateria, que assumiu no Voz de Cabo Verde. Esteve na origem deste grupo, permanecendo até por volta de 1973. Vivia na Holanda, para onde partiu em 1964, e trabalhava na fábrica de cerveja Heineken quando teve a ideia de escrever a Luís Morais – na altura a viver em Dacar, como os outros músicos que irão formar o Voz de Cabo Verde (I) – propondo-lhes encontrarem-no na Holanda. É assim que começa a história deste grupo, inicialmente batizado Os Verdianos. Mas, antes disso, Frank está, ao cavaquinho, no LP, de 1965, que inaugura a longa série editada pela Casa Silva (mais tarde Morabeza Records), intitulado simplesmente Cabo-verdianos na Holanda. Edmundo e Tazinho nos violões; Pirra e Djunga de Biluca, nos instrumentos de percussão, completam o grupo. De gravações que tinha participado em São Vicente, com Luís Rendall e o filho deste, Frank levara para Roterdão as matrizes, que embora sem grande qualidade sonora são editadas na mesma época em dois EP, também pela Casa Silva, ambos com o título Mornas de Cabo Verde. São estes os dois primeiros discos editados com a voz de Cesária Évora.
Durante todo o período vivido na Holanda, Frank Cavaquinho manteve-se bastante ativo em termos musicais. Acompanha Humbertona em Lágrimas e dor e Dispidida; Nho Balta em Terra livre – aqui, com Duca d’Nho Pitra, entre outros, sob o nome Voz de Pove; Tazinho, em Dia grande e Hora di bai; e Frank Mimita em Hora já tchegá (indicação na capa: “com conjunto de Frank Cavaquinho e Jon Spedinha”. Com este último, Chala e vários outros músicos que aparecem em fotografias na capa, mas cujos nomes são omitidos, grava Sanjon na Ribera d’Jilion, em que faz os arranjos e no qual aparecem vários temas da sua autoria. Nessa altura de afirmação nacionalista, trata-se de um trabalho de valorização das tradições – São Silvestre e kolá Sanjon – e com temas de intervenção, como “Labanta braço” e “Exploraçon cabod”. Ainda neste âmbito, o LP Música cabo-verdiana – Protesto e luta, editado pelo PAIGC em 1973, conta com a participação de Frank, a tocar tanto bateria como cavaquinho.
De volta a São Vicente nos anos 1970, emprega-se na fábrica Morabeza, de vestuário. Participa do Cabosamba, acompanha Hermínia e outros cantores em noites cabo-verdianas e está na primeira gravação de Kiki Lima, uma cassete feita na Rádio Voz de São Vicente, em 1982. Passa uma nova temporada na Holanda nos anos 1980, e é lá que irá falecer, de cancro, em 1993. No ano anterior, foram-lhe dedicados espetáculos de solidariedade no Mindelo e em Paris. Esteve internado, na Holanda, e contava regressar em breve, segundo Manuel d’Novas. “Uns dias antes de se sentir pior tinha-me escrito uma carta a pedir segredo e dizendo que vinha para apanhar a malta de surpresa. Recebi a carta num dia e três dias depois ele morreu. Deveria chegar a São Vicente dia 2 de Maio e dia 1 veio a notícia”.
Composições
Abol na Selada d´Morrim; Agora e Abol; Alma Limp; Aviadora; Bidja / Bidja Ca Ta Lumia; Bingala d´Po; Capechona; Console di Nha Vida; Destino dum Criol; Direit d´Pov; Escontrol d´Vida; Espim d´Obroi; Estanhadinha; Eternidade Bô Ê Triste; Finta; Firvura; Frá Brók; Ganhá Gastá; Ganha Poco Vive Bem; Gorrim; Holandeza; Hora Negra; Injúria; Juvita de Praça; Lembram na Bo ; Mantenha; Mnininha de Monte Sossego; Nha Bitinha; Parede Bedje; Passá Sabe; Pedra Ma Pedra; Perdida; Perte e Sebe; Pitche Patche; Praia d´Porto Novo; Puli Rua; Quem Bô ê; Quem tem Ódio; Resposta d´Ganha Pouco; Rotcha Nu; Sampadjuda; Sanjon na Ribera d´Jilion; Tcha so Nos; Tra Cavala na Bolsa; Três Litrinha; Trocá d´ideia; Vida Dur ê na Merca.
Ouvir
Homenagem a Frank Cavaquinho realizada em São Vicente em julho de 2022. Com os músicos Voginha (violão), Tey Santos (bateria), Jimmy (baixo), Chico Serra (teclado) e Samu (cavaquinho) e as vozes de Manecas Matos, Constantino Cardoso, Edson Oliveira e Beti Almeida.