Djunga de Biluca

Por GN em

Djunga de Biluca, 2010. Foto: Gláucia Nogueira

João Silva

Compositor, produtor, editor

Mindelo, São Vicente, 1929 – Roterdão, Holanda, 2023

Djunga de Biluca foi um pioneiro na emigração cabo-verdiana para a Europa, militante da luta pela independência e fundador da Morabeza Records, que editou 40 LP e mais de uma dezena de EP na segunda metade dos anos 1960 e início dos anos 1970. E é também compositor, tendo letras musicadas por Luís Morais, Tazinho e Bonga, utilizando por vezes o pseudónimo Tijom. 

Nascido em São Vicente e criado em Santo Antão, aos 18 anos tornou-se marinheiro, saindo de Cabo Verde pela primeira vez clandestinamente, para fugir ao serviço militar. Só que voltou dois anos depois para rever a família e foi apanhado. “Como tinha curso de eletrotécnico e precisavam de alguém com essa formação, pegaram-me e tive de ficar três anos. Quando saí novamente, ainda foi meio fugido” (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens). Depois de algum tempo como marítimo, fixou-se na Holanda a trabalhar na Phillips, em 1955.

Djunga de Biluca, nos primeiros tempos na Holanda. Fonte: https://maartenslagboom.nl/schift/de-opdracht-van-djunga-de-biluca/

Nos anos 1960 entrou na produção de discos – primeiro como Casa Silva, durante três anos, a partir de 1968 como Morabeza Records. Entre os álbuns editados por este selo, estão os do mítico Voz de Cabo Verde (na sua primeira formação) e os primeiros de Bana e do angolano Bonga. No primeiro álbum que editou, cujo título é simplesmente o nome do grupo, Cabo-Verdianos na Holanda, Djunga de Biluca toca percussão. Conta no seu livro de memórias que foi Abílio Duarte que sugeriu que fizessem as gravações. Resultou num LP instrumental, já que não tinham cantor. “Eram todos marítimos, iam lá em casa, tocavam violão, então falei, vamos fazer uma gravação. Mas não foi um grupo que se criou com a pretensão de durar”, recorda em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens. Já nesse primeiro disco revela-se a sua faceta de militante pela independência – a sua ligação ao PAIGC vem desde 1962 – já que o texto da capa, da sua autoria, é bastante incisivo: “… é nas nossas músicas que exprimimos o que a boca não diz, o que a mão não escreve. A ira muda, o asco mudo, o desespero mudo…”. Na mesma altura, editou três EP com gravações levadas para a Holanda por Frank Cavaquinho, entre as quais a primeira em que aparece a voz de Cesária Évora.

Nessa época, a comunidade cabo-verdiana em Roterdão começava a crescer, ao mesmo tempo que o consulado de Portugal nada fazia pelos “portugueses” originários da colónia. Assim, uma associação cabo-verdiana foi criada em 1967 por um grupo de imigrantes em que se encontram Djunga de Biluca e Constantino Delgado. Em sintonia com este último, que abriu a Pensão Delta, Djunga de Biluca começou, através de cartas de chamada, a promover a ida de outros cabo-verdianos para Roterdão, a quem conseguiam emprego nos navios que partiam daquela cidade portuária.

Djunga de Biluca com a capa do LP Boas Festas, editado pela Casa Silva. Foto cedida por Mito Elias/Otimarte

Ao longo desses anos, viveu entre a militância política na mobilização de compatriotas para a luta, os contatos com os líderes na Guiné e as dificuldades enfrentadas com a PIDE, ao mesmo tempo em que atuava como manager do Voz de Cabo Verde e editor de discos. Em 1972 foi credenciado oficialmente como representante do partido na Holanda. Depois da independência, exerceu o cargo de cônsul geral de Cabo Verde para a Holanda e Luxemburgo, e nessa qualidade chegou à reforma em 1990.

A editora Morabeza Records, depois do período de grande atividade que durou até 1975, continuou a existir por mais 20 anos, e acabou por falir devido a uma grande encomenda de discos feita pelo Estado de Cabo Verde para a Expo Sevilha (1992), que não foi paga, tendo o caso ido parar ao tribunal. É nesse âmbito que vários dos LP da Morabeza Records aparecem reeditados em CD. Mais tarde, um sobrinho de Djunga de Biluca tentou reativar a etiqueta em França, mas a iniciativa foi efémera.

Em 2003, Djunga de Biluca foi condecorado pelo Presidente da República Pedro Pires com a medalha da Ordem Amílcar Cabral e no ano seguinte pela rainha da Holanda com o grau de Cavaleiro da Ordem Oranje-Nassau. Em 2015, recebeu o prémio Drs. H.H. Horsting, pelo seu papel ao lançar as bases da comunidade cabo-verdiana em Roterdão. Veja a reportagem do canal Letra das Ilhas TV.

Publicou as suas memórias, De Ribeira Bote a Rotterdam, em 2009.

Caboverdianos na Holanda
Caboverdianos na Holanda. Djunga de Biluca é o primeiro à direita, com as maracas. Foto do verso da capa do LP Caboverdianos na Holanda
Voz de Cabo Verde. Djunga de Biluca é o primeiro à esquerda.
Combatentes da liberdade, 1971: da dir. para esq.: Onésimo Silveira, Sul, Djunga de Biluca, Amílcar Cabral, Mascarenhas Monteiro, [?]. Foto cedida por Emanuel Varela

Djunga de Biluca na inauguração da Praça Amílcar Cabral, na cidade francesa de Fameck. Foto cedida por Jean-Marc Heyert
Djunga de Biluca durante a luta de libertação. Fonte: www.geschiedenislokaal010.nl
Djunga de Biluca, Anastácio Silva, Dulce Almada e Amélia Araújo entre outros, em cerimónia de homenagem da Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria, 2014. Fonte: ACOLP

Composições

Merecimento de Mãe, Fidjo di Ninguém, Abol sem Brincadeira, Sofrimento de Sodade, Bo imagem, Ragoce d’Manhe, Stóra di nha vida, Segredo de nha vida, Amor di perdição (parcerias com Luís Morais); Dispidida (parceria com Tazinho); Ramedi djá  tem (parceria com Tião Rocha Perazzo);  Dois poemas irmãos (parceria com Bonga).

Publicou

De Ribeira Bote a Rotterdam (memórias). Edição do autor, 2009.

Para saber mais

Documentário sobre Djunga de Biluca e trecho com legendas em português

Ouvir

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