Batuku e finason
“Nu nase nu atxa-l.
Nu ta more, nu ta dexa-l.”
Do poema “Batuku”, de Kauberdiano Dambará
O batuku[1] é considerado a expressão musical cabo-verdiana de carácter mais nitidamente africano. Baseado em percussão e voz, na sua versão tradicional apresenta-se no padrão canto-resposta e é praticado sobretudo por mulheres. Estas, sentam-se formando uma roda quando em situações informais ou num semicírculo, quando se encontram num palco. No centro desse grupo, algumas delas vão dançar.
Quando a vibração da música aumenta, momento que se chama rabida, entra em cena uma dançarina para dá cu torno – a dança centrada no requebrar dos quadris, quase sem sair do lugar. Durante o período colonial, essa dança foi considerada como “selvagem” e imoral, repudiada pela Igreja Católica devido à sua sensualidade. Contudo, no seu meio original, os momentos em que se dançava o batuku estiveram sempre ligados ao ambiente familiar, às festas de casamento e baptizados.
Referências ao batuku no século XIX revelam que, naquela época, utilizavam-se também flautas, guitarras e a cimboa – instrumento com uma única corda, tocado com um arco – além da percussão e da voz. Em tempos recentes, o recurso a instrumentos de corda e outros já não é raro.
Admite-se que o batuku tenha existido em outros pontos do arquipélago, povoados a partir da ilha de Santiago, mas acabou por ser considerado uma tradição desta ilha. O batuku tem a sua origem no meio rural, mas a migração de camponeses para a cidade da Praia, capital do país, levou ao aparecimento de grupos na área urbana e a emigração fez com que surgissem grupos em outros países.
Xabeta
Xabeta é como se designa o som produzido pelas batukaderas, embora por vezes se empregue esse termo para designar o instrumento que utilizam. O som do batuku é produzido pela percussão numa almofada (na atualidade, normalmente de couro sintético) que as batukaderas prendem entre as pernas. Em outros tempos, era um pedaço de tecido enrolado, que mais tarde passaram a envolver num saco plástico, mas muito tempo antes era simplesmente uma faixa de tecido esticada sobre as pernas.
Atualidade
Tal como aconteceu com o funaná nos anos 80 do século XX, por volta do ano 2000 surge um movimento de apropriação do ritmo do batuku por parte de uma nova geração de compositores e intérpretes, levando a uma renovação deste género (Ver Orlando Pantera, Princezito, Tcheka, Vadu, Lura, Mayra Andrade). Ao mesmo tempo, os tradicionais grupos femininos proliferam e as edições de discos são cada vez mais frequentes. Em 2019, a cantora norte-americana Madonna inseriu no seu álbum um tema alusivo ao batuku, com a participação de um grupo de batukaderas.
Em 2021, foi instituído pelo Parlamento cabo-verdiano o Dia Nacional do Batuku: 31 de julho, que é também o Dia da Mulher Africana.
Finason
Uma frase musical é cantada por uma solista e repetida pelo grupo. No passado, esse canto desdobrava-se em duas modalidades: sambuna (de carácter mais lúdico e rítmico) e finason, que são cantigas baseadas em máximas, ditados e provérbios, improvisadas num determinado momento da sessão. Nem todas as batukaderas o praticam. Hoje o finason praticamente desapareceu do contexto dos grupos de batuku, tendendo a passar da oralidade para a forma escrita (ver Princezito).
Determinadas batucadeiras ficaram célebres pela habilidade na improvisação, e no seu tempo foram portadoras de uma verdadeira filosofia popular. Ver Nha Nácia Gomi, Nha Bibinha Cabral, Nha Gida Mendi são personagens que ficaram na história. As suas biografias e cantias ficaram registadas em livros do investigador Tomé Varela da Silva.
[1] Utiliza-se a grafia batuku – segundo o Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-Verdiano (Alupec) – e não batuque para especificar que se trata da música associada à ilha de Santiago de Cabo Verde, excluindo outras expressões musicais identificadas como batuque que se podem encontrar em outros países da África ou no Brasil.
Para saber mais
Batuku de Cabo Verde. Percurso Histórico-Musical. Gláucia Nogueira. Praia, Pedro Cardoso Livraria, 2015.
BATUKU
(Kaoberdiano Dambará)
Nha fla-m, Nha Dunda, kus’e k’e batuku?
Nha nxina mininu kusa k’e ka sabe.Nha fidju, batuku N ka se kusa.
Nu nase nu atxa-l.
Nu ta more nu ta dexa-l.
E lonji sima seu,
fundu sima mar,
rixu sima rotxa.
E usu-l tera, sabi nos genti.Mosias na terreru
tornu finkadu, txabeta rapikadu,
Korpu ali N ta bai.
N ka bai. Aima ki txoma-m.
Nteradu duzia duzia na labada,
mortadjadu sen sen na pedra-l sistensia,
bendedu mil mil na Sul-a-Baxu,
kemadu na laba di burkan,
korpu ta matadu, aima ta fika.
Aima e forsa di batuku.
Na batuperiu-l fomi,
na sabi-l teremoti,
na sodadi-l fidju lonji,
batuku e nos aima.
Xinti-l, nha fidju.
Kenha ki kre-nu, kre batuku.
Batuku e nos aima!
O poema “Batuku” faz parte do livro Noti, de Kaoberdiano Dambará (Felisberto Vieira Lopes, 1937-2020), editado em 1964 em Paris, pelo PAIGC. Anos depois foi gravado na Holanda para integrar o LP Poesia Cabo-Verdiana Protesto e Luta, editado também pelo PAIGC em 1970.
Ver e Ouvir
Personagens relacionados com o batuku
Nha Balila; Nha Bibinha Cabral; Nha Gida Mendi; Nha Mita Pereira; Nha Nácia Gomi; Tchin Tabari; Nho Eugénio; Nho Henrique, Nho Mano Mendi; Nho Ntoni Denti d’Oru
Grupos de batuku: Delta Cultura, Finka Pé, Terrero, Tradison di Terra…
Batuku contemporâneo: Gil Moreira; Mayra Andrade; Lura; Orlando Pantera; Princezito; Tcheka