Travadinha

Por D O em

Travadinha, durante evento do 10º aniversário da tomada da Rádio Barlavento. Fonte: Voz di Povo

António Vicente Lopes

Janela, Santo Antão, 1937 – Mindelo, SV, 1987

Instrumentista (cordas), compositor

Filho de um violinista, desde criança Travadinha já tocava de ouvido, e acompanhava músicos mais velhos em festas e bailes. Ti Goy levou-o para São Vicente, onde o inseriu no circuito das noites musicais, em que foi sempre um solista, capaz “de tocar cinco, seis horas sem parar, sempre a solar”, como recordou Malaquias Costa em depoimento  a Cabo Verde & a Música-Museu Virtual. No Mindelo, trabalhou como pedreiro e mais tarde como contínuo da Empresa Pública de Abastecimento (EMPA), pela qual se aposentou, por doença (morreu de cancro aos 49 anos).

Já no fim da sua vida, Travadinha foi algumas vezes a Portugal, onde deslumbrou a crítica musical com o seu virtuosismo ao violino. É surpreendente a quantidade de artigos nos jornais portugueses a cada vez que atuou e os elogios que recebeu. Numa retrospetiva do ano de 1981, o semanário O Ponto (28.01.1982) refere-o como “o violinista cabo-verdiano com quem Jean-Luc Ponty teria muito a aprender”, numa comparação com o músico francês já naquela época uma vedeta do jazz. O texto destaca “a capacidade de improvisação, o despretenciosismo, o saber evoluir mergulhado nas raízes, tudo no Travadinha foi um espetáculo”. O Jornal, por seu lado, eleva-o ao patamar de Carlos Paredes, um ícone da música instrumental portuguesa: “O violino de Travadinha é como a guitarra de Paredes. Coisas belas, misteriosas, insondáveis, que retratam os povos sem necessitarem de palavras” (DUARTE, O Jornal, 14.08.1987).

“Tocava rabeca com música no sangue”.

Chamada na primeira página do jornal português A Capital, por ocasião da morte de Travadinha, 11.08.1987

Foi João Freire (fotógrafo e um apaixonado pela música de Cabo Verde desde os tempos em que vivera no arquipélago, nos anos 1970), que revelou Travadinha aos portugueses. Nessa primeira deslocação, em agosto de 1981, o violinista atuou em programas de TV e apresentou-se em Lisboa, Almada e no Porto. No verão do ano seguinte, atuou em Vilar de Mouros, no mais antigo festival de música de Portugal, e fez um concerto no Hot Club, tradicional casa de jazz de Lisboa.

A atuação foi gravada e dela resultou uma cassete editada na época pelo Atelier Mar, que foi reeditada em CD em 1999. Travadinha tocou acompanhado por Armando Tito, Teodoro Lopes, Agostinho (violões), Mário (cavaquinho) e Lino Nascimento (chocalho), tendo Celina Pereira feito uma participação num dos temas.

Em 1986, o músico foi a Portugal pela terceira vez, já em tratamento médico, e gravou então o LP Feiticeira di Cor Morena, em que além do violino toca viola de dez cordas e cavaquinho, com acompanhamento de Armando Tito (violão solo, dez cordas, cavaquinho, baixo, chocalho, reco-reco), Ildo Ramos (violão), Micau (percussão) e Ana Firmino (voz num tema).

Kiki Lima, Travadinha e Artur Boxe. Foto cedida por Kiki Lima

Em Cabo Verde, Travadinha fez parte, em 1983, do Grupo Cultural Mantenha, que na Holanda gravou o LP Mantenha, editado dois anos depois. Antes disso, por altura da independência, tocara no grupo Nova Aurora, em que participavam Manuel d’Novas Waldemar, entre outros.

Em abril de 1987, quando o seu estado de saúde era já bastante crítico, um concerto em sua homenagem foi realizado no Mindelo, com dezenas de artistas a participar, transmitido pela rádio nacional para todo o país. “Solidarizar-se com Travadinha é prestar homenagem a símbolos da cultura cabo-verdiana que giram e sobrevivem numa marginalidade surda sem outras perspetivas senão a que lhe imprime o seu impulso criativo puro e simples e o pulsar do seu sentir cabo-verdiano”, lê-se num documento que assinala o evento, que refere ainda: “Antoninho Travadinha ou Ti Goy, ou muitos outros que deram e dão a esta terra (talvez sem o saberem, o que sublima a dádiva) a cor metafísica que ela tem, não raro têm, como artistas, um destino onde só a solidão lhes cabe como medida” (Artistas de Mindelo com Antoninho Travadinha…, folheto, 02.04.1987).

Travadinha entre amigos. À direita, Armando Tito. Foto: João Freite, na capa do álbum Travadinha no Hot Clube

Em Portugal, o seu falecimento terá direito a chamada de primeira página n’A Capital, com o subtítulo: “Tocava rabeca com música no sangue”. O texto refere Travadinha como um músico que “decerto involuntariamente, dada a sua formação, ultrapassou o estigma ‘folclórico’ que acompanha muitos músicos africanos. A sua genialidade interpretativa permitiu, sem escola ou movimento estético por detrás, criar uma música original, a partir das raízes da música tradicional de Cabo Verde, a única que ele realmente conhecia profundamente.” (A Capital, 11.08.1987).

Discografia

  • Travadinha no Hot Clube, cassete, Atelier Mar, 1982; em CD, Dargil, Lisboa, 1999.
  • Feiticeira de cor morena, LP, AAPCV/Ass. Cabo Verde, Lisboa, 1986. Em CD, Le violon du Cap Vert, Buda Records, 1992.
  • Participação no LP Mantenha, do Grupo Cultural Mantenha, 1985, com dois temas próprios, “Mar Miller” e “Bulucha”.

Composição

Jumper/Jombo

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