A música e as crianças em Cabo Verde
Por Gláucia Nogueira
Se as cantigas de roda fazem parte das tradições musicais de Cabo Verde e, desta forma, estiveram presentes na infância de muita gente ao longo do tempo, por outro lado uma produção musical mais recente difundida através de discos tendo como alvo o público infantil não é abundante.
Uma das iniciativas neste contexto é o disco de Teté Alhinho intitulado Menino das Ilhas – Música de Cabo Verde para Crianças (1992). O álbum teve como produtor musical Paulino Vieira, que toca todos os instrumentos, e conta com a participação vocal de várias crianças, entre as quais os três filhos de Teté Alhinho.
A cantora e compositora costumava adormecer os filhos com música e, às vezes, eles dormiam e ela continuava a cantar. Na época, vivia em Portugal, e quando regressou a Cabo Verde deu-se conta da inexistência de música para crianças, então resolveu compor músicas e gravar esse álbum.
“Sara Sarita”, um dos temas do disco, é da autoria de Tó Tavares, professor de música e fundador da escola Pentagrama. Criada em 1991, propondo aulas de iniciação musical, pela Pentagrama passaram centenas de crianças e adolescentes, entre os quais alguns nomes que vieram a se dedicar à música, como Mayra Andrade, Djodje e Sara Alhinho, entre outros. Esta última, que interpreta a composição no disco da mãe, regravou-a recentemente com Ga da Lomba, e a letra, que apela ao cuidado que as crianças devem ter quando atravessam uma rua, ganhou novos sentidos.
Outro disco em que aparecem cantigas infantis, estas recuperadas da tradição, é Estória Estória – No Arquipélago das Maravilhas (1990) de Celina Pereira, que além de cantora era contadora de histórias. No disco, em que a artista contou com a cumplicidade de Paulino Vieira a recriar o ambiente de uma roda de crianças a ouvir histórias do folclore cabo-verdiano, Celina vai intercalando contos e cantigas, temas cantados e instrumentais. O disco teve a participação de Travadinha ao violino.
Reeditado anos depois em CD e em formato audiolivro (livro/cassete), este trabalho trouxe vários prémios à cantora, na Itália, em Portugal e nos EUA, onde, no estado de Massachusetts, veio a ser utilizado no ensino bilíngue. Um segundo projeto discográfico neste âmbito resultou, em 2004, em Do Tambor a Blimundo (livro/CD). No álbum Harpejos e Gorjeios (1998), Celina Pereira introduz um trecho de “Cantiga de Roda”, como introdução de uma morna.
Mais recentemente, Mariana Ramos gravou um disco cantando em cabo-verdiano e em francês em que parte das músicas são infantis e no qual ela conta também algumas histórias: Cap Vert: Rondes, Comptines et Berceuses (2017).
Pequenos cantores
Titita é uma personagem que aparece precocemente no cenário musical. Aos 8 anos, foi a vencedora da VI Gala Internacional dos Pequenos Cantores, na Figueira da Foz, Portugal, na categoria estrangeiros, isso depois de ter vencido competição do mesmo tipo em Cabo Verde. Deixou como registo o single Tempo di Minino, editado pela Organização dos Pioneiros Abel Djassi (OPAD-CV) em 1984, com o tema-título da autoria do grupo Voz d’África e a composição “Amor e Esperança”, de Ano Nobo.
No mesmo evento musical da Figueira da Foz, em 1986 Luís de Matos, aos 11 anos, foi o concorrente cabo-verdiano. Contudo, como chegou para a final na véspera e a pontuação era feita durante os ensaios, acabou prejudicado, perdendo para um concorrente brasileiro.
Em 1988, com outras crianças participantes desse concurso em 1986 e 1987 (Rita Lobo, Silá, Titita), o jovem cantor foi para os EUA gravar com Ramiro Mendes o LP Cabo Verde das Crianças. Iniciativa da OPAD-CV, o disco foi patrocinado pela Unicef, mas acabou por ficar retido na alfândega e, com a mudança do governo, não chegou a ser lançado. Saiu finalmente em CD, em 2010, numa edição não comercial da responsabilidade da Fundação Infância Feliz (FIF). No disco, Luís de Matos interpreta dois temas do seu irmão, Homero Andrade: “Adiante Cabo Verde” e “Feliz Aniversário”.
De referir ainda, e mais uma vez aparece o nome de Paulino Vieira neste contexto, que a sua filha, Vilma, gravou um single em 1985, com arranjos do pai.
Outros exemplos de artistas que apareceram publicamente ainda crianças são Noah Andrade, nos EUA, como guitarrista; Marízia, na Holanda, que aos 11 anos venceu um concurso e gravou vários CD antes de deixar a música; e Ceuzany que, aos 12, venceu uma gala dos Pequenos Cantores, organizada pela Fundação Infância Feliz. Nestes casos, os intérpretes eram crianças, mas não se destinava ao público infantil o seu repertório.
Outro exemplo é o baterista Zumbi, filho de Gamal Monteiro, que desde cedo estimulou as atividades musicais do filho, criando com ele o grupo Afroband.
No CD do grupo, intitulado Idukason Jeral, com composições do próprio Zumbi em parceria com Gamal, as letras são mensagens educativas para as crianças, falando de higiene, ecologia, estudos, alimentação, boas maneiras, entre outros temas, no embalo do reggae, do rock, do funaná e outros estilos musicais. A defesa do afabeto fonológico (ALUPEC) para escrita da língua cabo-verdiana é outro aspecto que se destaca no CD, em que todos os textos são grafados segundo essa norma.
Mais recentemente, as crianças da família Montrond, da ilha do Fogo, protagonizam a interpretação da composição “Fran undé du ta bá”, alusiva aos desalojados pela erupção do vulcão em 2014, num disco produzido por Kim Alves com objetivo beneficente, Unidos pa Djarfogo.