Morgadinho
Joaquim Soares de Almeida
Praia Branca, São Nicolau, 1931
Instrumentista (sopros, baixo), cantor, compositor
Membro do Voz de Cabo Verde na sua primeira formação, bem como naquela da década de 2000, Morgadinho tem a solo um único trabalho. Colaborou, contudo, em gravações com diferentes artistas e tem também várias composições gravadas.
Vivendo no Mindelo a partir dos 2 anos, foi aluno do regente José Alves dos Reis na mesma época que Manuel Clarinete, Cesário Duarte e Manuel Tidjena, entre outros, aprendendo inicialmente trompete e mais tarde trombone. Fez parte da Banda Municipal de São Vicente. Depois de, como aprendiz, passar rapidamente por todos os escalões, chegou a ser o chefe da banda, em 1954, mas foi nessa época que decidiu deixá-la, por ser “muito tradicional”. Com o rigor da partitura, “não dava para expandir, era sempre a mesma coisa” (Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens).
O pai de Morgadinho era o proprietário do lendário Café Royal, onde a música acontecia também com mais liberdade que sob a batuta do regente Reis. Com a cabeça cheia de melodias, a banda começou a aborrecê-lo. Em 1955, a convite do proprietário da Adega Machado, tradicional casa de fados em Lisboa, seguiu para Portugal acompanhado por Lela Preciosa e Tchufe, e durante três meses o fado alterna-se com a morna, como se pode ler num artigo na revista Latitudes (maio 2004).
“Eu frequentava muito o cinema, nessa altura havia os musicais norte-americanos, com Fred Astaire, Gene Kelly, Al Johnson, Louis Armstrong, com quem aprendi muito, Henry James, bons trompetistas… Havia também os westerns…”
Morgadinho, em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens
Em 1957, Morgadinho partiu para a Guiné, como jogador de basquete com a equipa da Académica. Levou o trompete, “pois tinha ido também uma troupe musical, os Marques da Silva e outros”, recorda. Numa festa, ouviram-no tocar e disseram: “Esse moço fica cá.” Foi assim que viveu em Bissau até 1963, embora não tocando profissionalmente: arranjou trabalho na Câmara Municipal, como contabilista nas Obras Públicas e mais tarde na repartição de Fazenda e Contabilidade. A música, era quase todos os fins de semana, a tocar em bailes. Em 1963, convidado para ir para o Senegal tocar numa festa, no Foyer des Portugais, descobriu um conservatório em Dacar em que não se pagava nada. “Fiquei lá, já não me convinha voltar para a Guiné pois a guerra tinha começado, as coisas estavam complicadas. E também tinha medo de acabar por esquecer aquilo que tinha aprendido como músico”, refere em Cabo Verde & a Música – Dicionário de Personagens.
No Senegal tornou-se profissional. “Primeiro comecei numa boate chamada Ferlo, com o Toy Ramos: depois inauguraram o Saloum, chamamos o Luís Morais, que tocava no Miami, e ele veio tocar connosco. Foram três anos em Dacar, época em que Bana lá gravou as suas primeiras 45 rotações”, no qual Morgadinho toca.
Em 1966, transferiram-se todos para Roterdão, a partir do chamado de Frank Cavaquinho, que lhes propôs formar um conjunto. “Havia na Holanda muitos cabo-verdianos marítimos, devido à marinha mercante e, como cabo-verdiano gosta muito de música, iam ouvir bons conjuntos (na época predominavam os italianos). Então, sentiram um grande orgulho de saber que um conjunto de Cabo Verde estava aparecendo para mostrar o que sabíamos”, declara.
Com a saída de Bana, ficaram sem cantor, e Morgadinho teve de cobrir essa lacuna, além de aprender a tocar baixo, “para que a gente pudesse tapar os buracos, pois também não tínhamos organista”. Quando era necessário trompete, passava o baixo para Jean da Lomba. Mais tarde entra Djosinha, mas praticamente todos deixam o grupo em 1970.
Desde 1972, Morgadinho vive em Paris. Trabalhou como funcionário administrativo numa empresa funerária e em 1979 reformou-se. Mas a música nunca deixou de estar presente. Nos anos 1970, com Toy Ramos, que também residia em Paris, participou no Les Flammes, tendo como vocalista Mário Pop. O grupo gravou quatro LP. A solo, Morgadinho gravou Um criol na França, editado em 1981. A acompanhar outros artistas, aparece em dois discos de Tazinho gravados nos anos 1960, e no de Jorge Sousa, em 1999, também nos arranjos.
Como compositor, tem um tema de grande projeção na voz de Cesária Évora, e que acaba por ser a alcunha da cantora: “Cize”, embora a música não tenha sido composta para ela. Mas os temas que o interessam não são apenas os do amor romântico, mostrando em algumas composições ser um observador atento das questões políticas, económicas e sociais. Por exemplo, “Queda d’spy”, sobre o general português António Spínola; “Pitrol”, uma koladera que fala sobre a subida do preço do petróleo nos anos 1970; e “D’stine d’nos criola”, criticando as koladeras que só serviam para falar mal das mulheres em Cabo Verde. Ainda na juventude, antes de sair de São Vicente, compôs sambas e marchas para o Carnaval, e mais tarde dedicou uma composição ao clube Mindelense.
Em 2019, Morgadinho foi condecorado pelo presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, com o primeiro grau da Ordem do Dragoeiro.
Composições
Bem Qu´el Lorgue; Cabo entrega sem bo escola; Cabo Verde d´One 2000; Caboverdianinha; Cize; Cretcheu di Céu; Criol e bitche; Criulinha; Cruel Decisão; D´stine d´Nos Criola; Distino d’um Cab-Verdiano; Dôr di Paixão; Esperança d´um Povo; He Criol; He criol; Mindelense; Minijupe; Nova Coladera; Olhou-se, Levantou-se (raspa); Pitrol; Ponta do Sol; Queda d´Spy; SOS KOS; Um Página Voltode.
Discografia
- Morgadinho companhode ma Voz de Cabo Verde, EP, MR, Roterdão, [déc. 1960].
- Um criol na França, LP, AP, Paris, 1981.
- Mindelense! Mindelense!, EP, Luiz Silva, Paris, 1983.
Solos de trompete em discos do Voz de Cabo Verde:
- “Lora”, no EP Voz de Cabo Verde, [déc. 1960], e na compilação Nha terra Cabo Verde, [déc. 1990].
- “Resposta di segredo cu mar”, EP Voz de Cabo Verde, [déc. 1960], e nas compilações Cap Vert: Anthologie 1959-1992, 1993, e Nha terra Cabo Verde, [déc. 1990].
- “Traiçoeira de Dacar”, EP Ragoce d’manhe, [déc. 1960].
- “Bem qu’el lorgue” e “Nova coladera”, EP Nova coladera, [déc. 1960].
Participação vocal em:
- “Falame verdade grinhacim”, Voz de Cabo Verde (I), EP Agora e abol, [déc. 1960].
- CD Festa e tradição, 1991 (vários artistas).